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Dependência emocional

Foto do escritor: ESPEcastESPEcast

Muito tem-se falado, quase que cotidianamente, sobre o perigo da dependência emocional, ou seja, esse temor que alguns têm de ficar em uma espécie de apego emocional em relação ao outro.

No episódio 94 do ESPECast, disponível no YouTube e no Spotify, o professor Daniel Omar Perez nos convida a nos debruçarmos um pouco sobre o assunto e ver o que causa este fenômeno.

Boa leitura!

 

Hoje vemos que há um rompimento de laços sociais, o que muitas vezes constatam as análises sociológicas. O que se verifica na vida cotidiana, é que, de alguma forma, a sociedade se fragmentou em nichos, e, ao mesmo tempo, esses nichos se comunicam através de redes sociais. Se implantou, portanto, um modo de vida onde os espaços de congregação presencial foram se dissolvendo em sistemas de comunicação por redes. Encontramos, por exemplo, estatísticas de um número de pessoas cada vez maior que moram sozinhas. Também há estatísticas, não só da Europa, mas também daqui do Brasil, que mostram que a sociedade vai envelhecendo, o que significa que cada vez nós temos menos casais, e esses casais, cada vez menos têm filhos, e esses filhos cada vez moram mais isolados. 

“Daqui há uns 25 ou 30 anos, o Brasil terá mais pessoas de 80 anos que pessoas nascendo. Esse é um dado que mostra que, de alguma forma, a sociedade brasileira, a sociedade na qual nós moramos, vai tomando uma forma de indivíduos que se conectam uns com outros, mas não do modo que a sociedade se organizava antes, que dava [origem] a um povo jovem permanentemente. ” – aponta Daniel. 

É interessante então, neste cenário, pensar que esse medo à dependência emocional surja justamente em uma época onde viver em comunidade se apresenta como um problema. Onde viver na proximidade, junto com o outro, se apresenta como um problema. 

Isso implica que pensar a questão da dependência emocional implica também pensar um pouco sobre a história da vida das pessoas. 

Quando nascemos, dependemos do desejo do outro. Dependemos que o outro deseje que permaneçamos vivos. Ou seja, os seres humanos são mamíferos que nascem com uma estrutura anatomo-fisiológica que depende do desejo do outro, depende de que outro se preocupe com eles e não só no sentido de fornecer nutrientes, água, alimentos, proteção da intempérie, calor ou frio, não só esses elementos materiais ou físicos, mas também depende de que alguém os acolha afetivamente. Isso implica dizer que há, desde o nascimento, uma dependência biológica e também uma dependência afetiva presente, necessária para que o ser humano sobreviva.

A própria constituição do ser humano, enquanto sujeito, a própria constituição do reconhecimento do corpo, enquanto um corpo que lhe pertence, com o qual ele lida, com o qual ele pode realizar suas atividades, depende de que alguém tenha se preocupado com ele do ponto de vista biológico, material, mas também depende de que alguém tenha se preocupado com ele afetivamente. 

“Então, podemos dizer que há uma dependência emocional que é constitutiva da nossa subjetividade. É o modo em que lidamos naquele período da infância. Alguns vão dizer que o modo em que lidou aquele que acolheu, em seu próprio corpo, o surgimento de algo assim como um sujeito, em algum momento é o que vai fazer com que esse sujeito possa lidar consigo mesmo. Essa dependência afetiva, essa dependência emocional, incide diretamente com o modo em que eu vou reconhecer o meu próprio corpo, a minha subjetividade, a relação com os objetos, a relação com os outros, mas também a relação com aquilo que eu sinto, aquilo que eu desejo, com meus próprios sentimentos, com meus próprios afetos. ” – diz Daniel.

Isso não acontece somente nos primeiros dias de vida, evidentemente. Isso prossegue nas relações afetivas e emocionais que esse sujeito vai estabelecer com aqueles que acompanharão a sua vida durante a infância e, eventualmente, na adolescência. Estes podem ser os pais biológicos, os pais adotivos, podem ser membros da família, podem ser as cuidadoras, o orfanato. É uma rede de sustentação afetiva e emocional sem a qual o sujeito não consegue lidar ou sem a qual ele vai lidar com algumas complicações em relação a si mesmo e em relação àquilo que o rodeia. 

Na adolescência as relações afetivas também se cruzam com a construção de nossa própria identidade. O reconhecimento do outro, o afeto do outro, ou o contrário, o não reconhecimento e a exclusão que o outro possa vir a fazer com relação a esse sujeito e a exclusão que ele possa vir a fazer em relação aos outros vai afetar e incidir sobre o modo como esse processo de identificação vai se elaborando e sobre como a individualidade desse sujeito vai sendo constituída. 

A dependência emocional e afetiva com o outro se mantém, desde a infância e pelo resto da vida. A proximidade com os outros e o modo em que nos relacionamos com eles vai ser determinado por essa dependência. 

O perigo dessa dependência emocional surge quando a situação se torna extrema, quer dizer, quando a pessoa não consegue viver sem a outra, da qual é dependente. 

 Se faz então necessário repensar como é que se chega a essa situação. Quando não se consegue dar um passo adiante sem a aprovação do outro, não se consegue fazer qualquer outra coisa a não ser agradar o outro, quando não se consegue fazer nada na vida a não ser estritamente obedecer ao mandato paterno, ao mandato familiar, ao mandato social, sob o risco de não ser reconhecido, não ser amado, de ficar totalmente desamparados. Quando isso acontece, de alguma forma, o que está em questão é como é que foi elaborada, no início, essa relação com o outro. Como é que se lidou com o olhar do outro, com a voz do outro, que nos sustentou naquele momento nuclear, no qual encontramos as vias do que na psicanálise se chama “deslocamento pulsional”,  quer dizer, os modos em que nos relacionamos com os objetos e nos relacionamos com as pessoas.

“Então, quando vivemos uma forte dependência emocional em relação com o outro, talvez, provavelmente, colocamos aquele outro em um lugar de poder, atribuímos ao outro um poder especial a partir do qual acreditamos que podemos manter uma certa posição de segurança. Então, ao mesmo tempo que sofremos pela dependência emocional, essa dependência emocional tem como lucro secundário, digamos assim, para parafrasear Freud quando ele fala dos sintomas dos neuróticos, a possibilidade de uma ilusão de segurança. Então, eu coloco o outro no lugar daquele do qual eu dependo, faço tudo aquilo que o outro me manda, reivindico, de algum modo, uma certa posição em relação com o outro, mas o benefício disso, ilusório, é o da segurança. Talvez seja esse um dos modos possíveis de entender aquilo que nomeamos como dependência emocional.”


 
Conclusão

Dependência emocional não significa algo que poderia se opor à autonomia absoluta: eu passo da dependência emocional à autonomia absoluta, e posso me valer por mim mesmo, dos modos que eu quiser, e fazer o que me dê vontade o tempo inteiro. Isso também é outra ilusão.

“De um lado temos a ilusão da autonomia absoluta, do outro lado temos a ilusão de que estamos em segurança quando nos vinculamos estreita e fechadamente ao outro. Talvez a elaboração da posição que nós tomamos em relação com a sensação de desamparo, em relação com a sensação de falta de garantias, em relação com a contingência de que algo que não esperamos possa acontecer, talvez a elaboração disso nos permita estabelecer uma relação afetiva com o outro que não seja mera dependência emocional, nesse último sentido que acabamos de falar.”  - conclui professor Daniel.

Até nosso próximo artigo.



Assista ao episódio completo:



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Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autor do episódio:

Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.




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1 commento


Bom dia,

O texto é muito interessante e nos convida também a refletir sobre o papel dos vícios na vida das pessoas, algo que tem sido observado na clínica. A relação com o objeto-vício parece revelar uma dependência emocional profunda. Isso me faz pensar na crescente relação entre dependentes emocionais e o aumento de indivíduos com vícios e compulsões diversas. Em essência, essa dependência emocional é a base das adicções.

Obrigado pelo texto.

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