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A Mulher não existe – A Fórmula da Sexuação em 5 minutos


No episódio 101 do ESPECast – transcrito aqui no blog no artigo Grafo do Desejo em Cinco Minutos - o professor Daniel Omar Perez se lançou ao desafio de explicar o famoso Grafo do Desejo de Jacques Lacan em 5 minutos (ou mais!).

O desafio do episódio 102 – disponível no You Tube e no Spotify – é outro. Seria possível explicar a fórmula da sexuação em 5 minutos?

Confira neste artigo.

Boa leitura. 


 

“Não dá para trabalhar a fórmula da sexuação em 5 minutos. Vocês sabem que é um tema de lógica que é bastante complexo e que tem, digamos assim, muitas nuances. Mas eu vou tentar mostrar o que significam todos esses símbolos.” – Daniel Omar Perez


Da lógica hegeliana à lógica matemática

Em várias oportunidades, Jacques Lacan fala da dialética do desejo, da dialética do sujeito, algo que ele repete várias vezes – nos anos 40 especialmente e década de 50 – em um momento no qual trabalhava com a lógica hegeliana.


Em 1963, Jacques Lacan faz uma palestra que seria o início do então seminário 11 e é expulso da IPA. - Hoje sabemos que o seminário 11 se deu posteriormente e é sobre os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise


 Ele somente deu uma aula, deste seminário que se chamaria Os Nomes do Pai. Algo muito importante já que Lacan, no “Seminário 3: As Psicoses” havia falado do Nome-do-Pai para se referir às três estruturas clínicas da psicanálise: neurose, psicose e perversão. 


Neurose, psicose e perversão são três modos de negação da castração. São três modos de negação da interdição. Isso no Seminário 3. No seminário interrompido – Os Nomes-do-Pai, que está publicado no Brasil -  Lacan vai deixar de falar do Nome-do-Pai para falar em Nomes-do-Pai e também vai abandonar – e é possível constatar isso no texto explicitamente – a dialética hegeliana para assumir a lógica matemática. 



A Fórmula da Sexuação

A fórmula da sexuação vai aparecer no “Seminário 20: Mais, ainda”. Nele, de fato, Lacan não está trabalhando com lógica dialética – seja ela qual for. A seu modo, Lacan está trabalhando com elementos de lógica matemática e de quantificadores existenciais.

Eis a fórmula da sexuação:



Por partes, temos, sendo X o representante do ser falante.

Onde se lê: “Existe (∃) X tal que não (−) Ф (phi) de X.” Algum X, não Ф de X.



Onde se lê: “Para todo (∀) X, Ф (phi) de X

Todo X, Ф de X.

Onde se lê: “Não existe (−) nenhum X Ф (phi) de X.


Onde se lê: Não todo (∀) X, Ф (phi) de X.

O problema que muitos lógicos vão encontrar nisso é a negação posta em cima de um quantificador universal . Isso vai gerar polêmica muitas vezes porque no uso regular dos quantificadores, não se faz essa negação. Mas isso não significa que não se possa fazer. 

“Os lógicos, desde 1900 até agora, vivem inventando modos de formalização que não acabam nunca, e vivem inventando modos de estabelecer essas letrinhas com funções, etc., até não cansar nunca. Então é possível que se faça. De fato, a professora de lógica, que foi da UNICAMP e também da USP, Andrea Loparich, tem um texto que examina elemento por elemento – ela é lógica – e mostra o resultado a qual Lacan chega e que não há nenhum problema no trabalho dele se a gente aceitar essa modificação.”


Na fórmula da sexuação então temos o lado homem (esquerdo) e o lado mulher (direito), ambos como Lacan menciona. Lacan vai dizer no Seminário 20 que tanto o lado homem quanto o lado mulher podem ser ocupados por qualquer ser falante, independentemente de sua genitália. Portanto, nós temos um lado que é definido, enquanto posição sexual, de uma forma e o outro lado, que é definido enquanto posição sexual, de outra forma.


Do lado homem, ele formula então. Para todo ser falante (∀X), independentemente de sua genitália, o falo vai determiná-lo. (ФX). Ou seja, o que determina o ser falante (X) é o falo (Ф). Essa é uma posição na qual o sujeito se define a partir do falo. “A partir do falo, eu posso me definir.


Do lado mulher – que pode ser ocupado por qualquer ser falante independemente de sua genitália – ele diz (∀) X Ф X, ou seja, não todo ser falante, independentemente de sua genitália é tal que o falo o define. Não todo. Quer dizer, há uma parte que é definida pelo falo, mas não todo.


Então nós podemos definir a posição sexual a partir do falo (Ф), mas podemos dizer também que nem tudo é definido a partir do falo e dizer isso não significa dizer que as pessoas que estão de um lado são definidas pelo falo e as pessoas que estão do outro não são definidas pelo falo. 


“Há uma parte do ser falante que talvez possa ser definida a partir do falo, mas não todo ser falante se define a partir do falo. Então, esse não todo ser falante que se define a partir do falo se define por qualquer coisa, menos o falo. Então, há algo que se define pelo falo, mas não todo. O não todo se define por qualquer outra coisa, menos o falo.” – Daniel Omar Perez

Abandono da lógica Aristotélica

Neste ponto encontra-se um elemento interessante. Lacan não só abandona a dialética hegeliana com esse raciocínio como também os princípios clássicos da lógica aristotélica. Isso porque a lógica aristotélica parte dos princípios de identidade (a=a), não contradição (ou a ou b)  e terceiro excluído (se não a, então b - se não b, então a). O que significa isso? Ou é homem ou é mulher. Se não é homem é mulher. Se não é mulher é homem. Assim podemos dizer que estão os três princípios da lógica aristotélica.

O que Lacan está dizendo na fórmula: Há um lado que se define pelo falo, mas que há outro lado que não tudo se define pelo falo. Então se define, por qualquer coisa, menos o falo. O que significa é que quando nós abrimos o lado mulher, abrimos um lado onde não há um predicado que acabe com a definição. Quer dizer, não todo se define pelo falo, o que implica que o não todo está aberto a qualquer possibilidade predicativa, ou não. Está aberto. 

O filósofo alemão Immanuel Kant falava de proposições afirmativas, proposições negativas e proposições indefinidas ou indeterminadas. Quer dizer: eu posso afirmar B, posso negar B, mas posso dizer isso é qualquer coisa menos B. Mas não definir o que é exatamente. Então isso abre em um juízo indefinido, como ele dizia.


 
Conclusão: A Mulher Não Existe

Portanto, com a fórmula da sexuação podemos dizer que:

  1. Com ela Lacan abandonou os princípios clássicos da lógica aristotélica;

  2. Com ela Lacan abandonou a lógica dialética

  3. Com ela ele incorpora elementos da lógica matemática, de quantificadores existenciais, introduzindo um elemento de negação em um deles. (∀) X Ф X implicando que o não todo X, X como ser falante independentemente de sua genitália, pode ser definido pelo falo. Não é falo. É qualquer outra coisa. 

“Aí então nós vemos como ele vai desdobrando elementos da lógica. A saída da análise, muitos entendem, é a saída pelo feminino. Por quê? Porque é a saída pelo aberto. Então a posição de saída possível de um final de análise é essa, a que está formulada aqui. É por isso também que ele diz que a mulher não existe. A mulher não existe no sentido em que não existe uma soma de predicados que defina aquilo que é ser mulher.  ” – Daniel Omar Perez


Dizer que a mulher não existe não implica dizer que não existem mulheres, ou que elas, concretamente, enquanto movimento, enquanto organização política, enquanto gênero não existem. É dizer que não existe do ponto de vista lógico. Não existe porque a lógica predicativa - a lógica que determina o nome como a soma de predicados -  não dá conta da posição feminina.

Assim sendo,  ∀ X Ф X, não todo ser falante se define pelo falo, é o resultado da fórmula da sexuação e, de alguma forma, o fundamento lógico da fórmula “a mulher não existe.”

Até nosso próximo artigo.


Assista ao episódio completo:






 

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Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autor do episódio:

Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.




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