O que é a angústia? Como se origina? Quais são suas consequências?
A definição, a origem e as consequências da angústia em psicanálise e como Freud entende essa questão é o assunto deste episódio #34 do ESPECast com o professor Daniel Omar Perez. Você pode assisti-lo no YouTube ou escutá-lo no Spotify.
A angústia em psicanálise é um tema que Freud vai abordar desde suas origens, desde o final do século XIX. Encontramos tematizado e abordado o problema da angústia em Freud já nos escritos a Flieβ, ou seja, nos famosos manuscritos e cartas que Freud enviou ao amigo Flieβ, que estão justamente no volume das obras completas intitulados “As Origens da Psicanálise.”
Nesses encontros com ele, Freud não só trabalha as questões da histeria, mas também aborda o problema da angústia.
Manuscritos
O manuscrito A desse conjunto possui um texto que fala sobre os problemas, as teses e os fatores etiolgicos e é mencionada a questão da angústia, das neuroses de angústia. Nele Freud se pergunta: “De onde surge a angústia?”. Aqui, nesse primeiro momento, encontramos uma primeira tese acerca da angústia e uma primeira hipótese sobre qual seria a sua origem.
A Origem da Angústia está na repressão.
Nesse primeiro momento dos trabalhos de Freud, de seus escritos e trabalhos clínicos, a angústia é causada pela contenção, pela repressão da energia libidinal da energia sexual, o que quer dizer que Freud está tentando, neste momento, entender a angústia de seus pacientes como uma manifestação sintomática que se produz a partir da repressão da energia sexual.
“Isso nós vamos encontrar nas origens da psicanálise, nos textos que se dedicam a esse diálogo com Flieβ. Podemos ler alguns fragmentos.” – nos convida Daniel.
Manuscrito E – Primeira Teoria da Angústia
Há um fragmento muito importante que é o manuscrito E.
“Vamos ler um fragmento para ter ideia dessa primeira teoria da angústia. Digo primeira porque, já podemos ir adivinhando, vai ter uma segunda teoria da angústia. Essa primeira teoria diz respeito à repressão da energia libidinal, quer dizer, nos angustiamos, ficamos ansiosos, justamente porque há uma contenção da energia sexual.” – nos diz Daniel.
No Manuscrito E Freud escreve o seguinte. [1]
“Como se origina a angústia? Com toda certeza, colocamos o dedo naquele ponto que eu mesmo considero frágil. É aqui o que eu sei em relação com isso. Desde o princípio é evidente que, para mim, a angústia dos meus neuróticos tem muito a ver com a sexualidade. E, em particular, me chamou a atenção o inevitável: o coito interrompido, realizado com uma mulher, leva à neurose de angústia.”
“O coito interrompido em um encontro amoroso leva à neurose de angústia, é o que diz Freud no Manuscrito E.” – ecoa Daniel.
“No princípio segui diversas pistas falsas.”
“Assim como um detetive, Freud, de algum modo, tenta reconstruir a outra cena. A cena que, de algum modo, sustenta a condição de possibilidade da manifestação do fenômeno da angústia. Então, como uma espécie de Sherlock Holmes, Freud recorre a reconstruir e a seguir pistas.” – observa, precisamente, o professor Daniel. E continua a leitura do fragmento do Manuscrito. - “Assim, acreditava que a angústia que sofrem os pacientes deveria se conceber como uma simples continuação da angústia experimentada durante o ato sexual – ou seja, que era na realidade um sintoma histérico.”
Neste ponto o professor Daniel nos alerta que para Freud, e isso seria, segundo ele próprio mencionou, uma pista falsa, o paciente se angustiava no próprio ato sexual. A neurose de angústia seria a continuação dessa angústia no ato sexual.
“É interessante aqui, não?” – nos provoca Daniel salientando que o sintoma histérico pode ser um sintoma psíquico e pode ser um sintoma somático. – “Mas lembremos também que o sintoma histérico pode ser uma conversão histérica. O que é um sintoma psíquico? É quando um conflito psíquico nos conduz a repetir um determinado comportamento. O que seria um sintoma psicossomático? Quando o conflito psíquico, de algum modo, se realiza em um sintoma somático, concretamente. Quer dizer, o médico faz o exame e constata que há elementos somáticos nesse sintoma do corpo. O sintoma se fez carne, poderíamos dizer assim.” – nos explica Daniel definindo, logo após, a conversão histérica como o tipo de sintoma onde o paciente tem todas as sensações, todos os sentimentos de estar com este sintoma no corpo, mas, a partir do exame médico, não se pode constatar tal coisa.
“Por exemplo, quando temos sensação de afogamento, sensação de falta de ar, sensação de taquicardia, sensação de pressão alta, e nós vamos para o médico, para o enfermeiro, para a enfermeira, e ele constata que nosso batimento cardíaco está normal e que nossa pressão está normal. Aí poderíamos dizer, rapidamente, que há uma conversão histérica.” – complementa Daniel.
Assim podemos concluir que, neste primeiro momento, seguindo pistas falsas como ele mesmo diz, Freud vai entender que a angústia – a neurose de angústia – é a continuação da angústia do ato sexual. Ele vai entender aqui que a angústia seria mais um sintoma histérico.
E continuamos com a leitura do texto:
“As relações entre neuroses de angústia e histeria são, com efeito, bastante manifestas. No coito interrompido podem surgir dois motivos de angústia: na mulher, o temor de ficar grávida e, no homem, a preocupação de errar a manobra preventiva. Foi então, quando vários casos me levaram à convicção de que a neurose de angústia pode aparecer também estando excluídos esses dois fatores: quando o problema da gravidez realmente carecia de toda importância para o casal. Assim, a neurose de angústia nunca pode ser uma neurose histérica, continuada e relembrada.
A seguinte observação deixou estabelecido um segundo ponto de grande importância. A neurose de angústia afeta tanto as mulheres que são frígidas no coito como as que têm sensibilidade. Esse aspecto é interessante, e só pode significar que a origem da angústia não deve ser buscada na esfera psíquica. Por conseguinte, deve estar radicada na esfera física: é um fator da vida sexual que produz angústia. Mas que fator? ”
Aqui começa a mudança de Freud, a fonte de angústia, nessa primeira teoria da angústia. “Freud atende, quando ele vai buscar o problema da angústia, aos elementos psíquicos e aos elementos biológicos, somáticos.” – diz Daniel.
Para resolver tal questão, Freud reuniu as condições nas quais pode-se comprovar a angústia originada por causas sexuais. Neste manuscrito, ele as enumera e diz que essas condições parecem formar um grupo bastante heterogêneo.
a) angústia em pessoas virgens;
b) angústia em pessoas com abstinência deliberada;
c) angústia de abstinentes obrigados;
d) angústia de mulheres submetidas ao coito interrompido;
e) angústia de homens que praticam o coito interrompido;
f) angústia dos homens que excedem a medida de seu desejo ou de suas forças, obrigando-se a realizar o coito;
g) angústia dos homens ocasionalmente abstinentes.
Nestas sete caracterizações então podemos encontrar essa relação entre a angústia e a atividade sexual. Freud diz que nos demais casos a relação entre a angústia e a vida sexual não era óbvia, mas poderia ser demonstrada teoricamente.
Neste ponto então, para Freud, a acumulação da tensão sexual física conduziria à neurose de angústia e a acumulação da tensão sexual psíquica conduziria à melancolia.
“Então, basicamente eu quero reter isso do Manuscrito E, dos manuscritos de Freud a Flieβ, escritos lá no final dos anos 1890: o problema da neurose de angústia estaria na acumulação de tensão sexual. E vemos aqui como Freud tenta ir distinguindo o que é melancolia do que é angústia, o que é melancolia e angústia do que seria um sintoma histérico e vai avançando na ideia de desenvolver, ponto a ponto, as sete situações nas quais me detive rapidamente. Mas neste período Freud avança com a ideia de que a angústia é acúmulo de tensão sexual.” – conclui Daniel
Esquematizando:
Acumulação de tensão sexual física à pode gerar angústia;
Acumulação de tensão sexual psíquica à pode gerar melancolia;
Se há acúmulo de tensão sexual provocado por algum tipo de repressão moral, social, etc, deveria se encontrar outros mecanismos para promover o escoamento dessa energia para que a angústia fosse dissolvida, curada. “Se não é pela via do encontro sexual, será pela via de exercícios físicos, pela via de formas de atividades artísticas, de exercícios laborais, etc.” – exemplifica Daniel salientando que o corpo é uma fonte de energia e essa fonte de energia sexual deve ser, de algum modo, liberada. Quando acumulada, reprimida, contida, essa energia pode produzir um sintoma, entre eles a angústia. A partir então desse acúmulo de tensão, o tratamento que deveria ser feito seria a liberação desse acúmulo.
Esta abordagem está bastante próxima de algumas interpretações da época onde, por exemplo, se entendia que determinadas tensões físicas e biológicas poderiam produzir sintomas.
Em um texto de 1915, A Pulsão e seus Destinos [Trieb und Triebschicksale] ( não entremos muito no mérito das várias traduções deste título neste momento) que faz parte de um conjunto de textos onde está se tentando caracterizar uma metapsicologia, ou seja, o conjunto de elementos teóricos que suportam o dispositivo analítico e, consequentemente, orientam sua prática clínica, Freud vai dizer que a pulsão tem quatro destinos. Quando essa pulsão não se realiza, quer dizer, quando o impulso dessa energia não alcança seu objeto, ele pode:
1) Voltar para seu ponto de partida com sua carga revertida em seu contrário, por exemplo do amor para o ódio ou vice-versa.
2) Se sublimar, ou seja, ela pode escoar por outros meios, como as artes por exemplo.
3) Retornar em direção à própria pessoa.
4) Se recalcar, quer dizer, realizar a repressão a rigor do representante pulsional, isto é, mantêm-se a carga afetiva mas o representante ao qual ela está associada se reprime e o que aparece em seu lugar é uma formação de compromisso, ou seja, um sintoma.
Então vemos que Freud, durante vários anos, vai trabalhar com a hipótese de que a angústia seria, de fato, um sintoma gerado pelo acúmulo de energia sexual, não escoada.
Inibição, Sintoma e Angústia – A Segunda Teoria da Angústia.
Um tempo mais tarde, em 1926, Freud escreve um texto chamado Inibição, Sintoma e Angústia [Hemmung, Sympton und Angst] propondo uma segunda teoria da angústia.
Na obra de Freud então, consequentemente em sua clínica, nós vamos encontrar duas teorias da angústia.
Do início da psicanálise até 1923, 1924, temos a ideia de que a angústia é repressão e se origina pela repressão da tensão, pelo acúmulo, como já citado, da tensão sexual. Neste texto, Freud vai postular que é exatamente o contrário e sua teoria da angústia se modifica radicalmente.
Não é a repressão que gera a angústia e sim a angústia que gera a repressão.
“Inibição, Sintoma e Angústia, então, é um texto clássico de Freud, eu acho que um texto fundamental para a teoria clínica freudiana, não só uma elaboração teórica, onde encontramos a diferenciação.” – pontua Daniel. – “Assim como Freud diferenciava o que era melancolia, o era histeria, o que era um sintoma de uma conversão histérica e o que era uma angústia, aqui ele vai diferenciar o que é inibição, o que é sintoma e o que é angústia.”
Vamos diretamente para a angústia. Neste texto Freud vai dizer que “a angústia causa repressão e não, como antes afirmamos, a repressão causa a angústia.” No decorrer do texto ele vai elaborar o dispositivo que o faz entender então que agora é o oposto que acontece. Repetindo: A angústia causa a repressão, e não o contrário.
Isso provoca uma mudança fundamental no entendimento da tópica e a dinâmica do aparelho psíquico muda radicalmente.
“O medo angustiante das fobias” - diz Freud – “é o medo do Eu à castração.”
É o medo da castração que provoca a angústia e origina a repressão.
“A angústia não nasce nunca da libido reprimida.” – nos diz Freud, contestando a própria teoria que ele havia postulado em seus diálogos com Flieβ.
“A angústia sentida nas fobias é uma angústia do Eu, e nasce nele, e em vez de nascer da repressão, ele a provoca.” – escreve Freud.
CONCLUSÃo
Neste episódio, então, o que podemos concluir é que, mais do que uma definição, o que nós podemos fazer é apresentar um problema, como nos sugere Daniel:
“Freud tem mais de uma definição de angústia e nós precisamos voltar para os textos, voltar para os casos clínicos, abordar novos casos clínicos, para ver se é a repressão que origina a angústia ou se é a angústia que origina a repressão. E qual é o papel da castração em cada caso.” – Daniel Omar Perez
E assim o professor Daniel encerra o episódio.
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Transcrição e adaptação:
Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.
Autor do episódio: Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise. [1] Os trechos fragmentos estão aqui transcritos como lidos pelo professor Daniel no episódio. Para referências mais exatas, favor consultar as Obras Completas de sua preferência.
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