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As relações transferenciais de Freud

Atualizado: 23 de abr.

A transferência é a condição de possibilidade fundamental da clínica psicanalítica. Sem transferência não há psicanálise, essa é a sentença de Sigmund Freud. A relação transferencial entre quem ocupa o lugar de analista e quem ocupa o lugar de analisante torna possível a emergência do inconsciente em Freud. Não é possível levar adiante um tratamento clínico sem a transferência.


Mas quais teriam sido as relações transferenciais de Freud? 


No episódio ao vivo do ESPECast, realizado no dia 08 de outubro de 2024, o professor Daniel Omar Perez fez algumas pontuações a respeito deste interessante questionamento.


Você pode acompanhar o episódio no canal do ESPECast no YouTube ou no Spotify, além de deixar seus comentários e perguntas aqui no post.


Boa leitura!


 “Não há clínica psicanalítica sem transferência” nos diz Sigmund Freud. 


Transferência de carga afetiva de um lugar para outro, de um sujeito para outro, de um sujeito para um objeto. 

Transferência de afeto, de carga libidinal. 


“A transferência seria a possibilidade de que um saber possa aparecer do lado do sujeito analistante.” – define o professor Daniel.


Essa ideia ecoa uma questão da história da filosofia: a noção de amor em Platão. Não é possível aparecer a verdade sem amor, assim como não é possível fazer filosofia sem amor. A filosofia seria feita entre amigos, numa relação afetiva de amigos.


É possível afirmar que a psicanálise surgiu a partir deste tipo de relação afetiva, quer dizer, a partir de laços estabelecidos por Freud durante o seu percurso que propiciaram o surgimento desta nova área de conhecimento. 


De início podemos ver sua relação com o médico francês Jean-Martin Charcot no Hospital Salpètriére em Paris, que permite que Freud veja o fenômeno da histeria de maneira diferente. 


Ao retornar de Paris para Viena, Freud estabelece um vínculo bastante forte com Joseph Breuer, a ponto de, juntos, publicarem, em 1985, os Estudos Sobre a Histeria. Esta relação entre os dois, este vínculo, permitiu o surgimento de uma nova técnica para o tratamento da histeria. 



Anna O. e a transferência

É importante sempre voltar ao caso de Anna O, que foi uma paciente de Breuer, de quem Freud ouviu o relato do tratamento e compreendeu que o vínculo afetivo entre paciente e médico era de extrema importância para a sua condução. Em certo momento, Bertha Pappenheim acredita estar grávida de seu médico. Este, por sua vez, se assusta com a intensidade dessa relação afetiva, faz as malas e sai com sua esposa de férias, abandonando o caso clínico.


“Aí vemos como a relação transferencial, a relação amorosa entre o médico e o paciente, por um lado faz surgir a verdade de Bertha, mas, por outro lado, faz surgir também a resistência do analista, do médico que está em posição de analista. Vemos que Breuer recua diante da relação transferencial e acaba abandonando a paciente, mostrando que a resistência é de quem se coloca em posição de analista. ” – pontua o professor Daniel.


A relação transferencial existente entre Breuer e Freud, permitiu, então, o surgimento da técnica da associação livre, da possibilidade do médico se colocar em posição de escuta e não em posição de saber, o que permite fazer aparecer o saber no lado do paciente.



Freud e Flieβ

A ruptura com Breuer, causada por alguns mal-entendidos, abre espaço para que outra relação transferencial se estabeleça, dessa vez com o também médico Wilhelm Flieβ. Este novo vínculo transferencial, ainda mais forte do que o anterior, permitiu que Freud elaborasse o que viriam a ser os elementos fundacionais da psicanálise. Muitos desses elementos estão presentes no Projeto de uma Psicologia para Cientistas e na própria Interpretação dos Sonhos.


“A relação transferencial de Freud foi primeiro com Charcot, depois foi com em Breuer e agora, neste período, é com Flieβ.  Então, é com Flieβ que ele, de algum modo, se confessa. É com Flieβ, de algum modo, que ele se abre. É com Flieβ, de algum modo, que ele consegue pensar aquilo que ele está inventando: uma nova técnica para [tratar] as neuroses histéricas que vai se desdobrar em uma técnica também para as neuroses obsessivas.” – Daniel Omar Perez


 “A relação transferencial produz a psicanálise” – conclui o professor – “tanto  nessa relação de Freud com Flieβ, mas também na relação entre o médico e o paciente. Essa relação transferencial, por exemplo, entre Breuer e Anna O, permite que surja a possibilidade de um tratamento e um saber do lado do paciente.” 




Conclusão

As relações transferenciais de Freud, que permitiram o surgimento da técnica psicanalítica, se deram;


  1. com o médico francês Jean-Martin Charcot;

  2. com o médico austríaco Joseph Breuer;

  3. com o médico alemão Wilhelm Flieβ.


Com Charcot, Freud passou a ver o fenômeno da histeria de uma maneira daquela de sua época, o que possibilitou o surgimento de uma nova técnica de tratamento, que ele desenvolveu, consequentemente, com Joseph Breuer. 


Ao ouvir de Breuer o relato da paciente Anna O, Freud passou a observar o fenômeno transferencial, ou seja, o vínculo que se forma entre o paciente e o médico que viria a ser condição de possibilidade para um tratamento para as neuroses histéricas, desenvolvendo, inicialmente junto com ele, uma técnica para esse tratamento.


Posteriormente, ao trocar correspondências intensas com Wilhelm Flieβ, Freud elabora então sua técnica e ao longo dos anos, produz o dispositivo clínico e teórico a qual deu o nome de psicanálise. 




Quer ir além, e estudar esse tema em profundidade?

Quer saber mais sobre o fenômeno da transferência? Na plataforma ESPECast você encontra o percurso “Fundamentos da Psicanálise”, com o professor Daniel Omar Perez, onde há um módulo específico sobre o assunto”.


Até nosso próximo artigo.




Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autor do episódio:

Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.




 
 
 

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