A Depressão como Sintoma na Clínica Contemporânea.
- ESPEcast

- 19 de set.
- 4 min de leitura
Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo que eu o aproveite?
Fernando Pessoa, 1928
O contemporâneo está marcado pela aceleração. A sensação de que o tempo passa mais rápido atravessa as conversas cotidianas e, em geral, vem acompanhada de um sentimento de perda.
Se, por um lado, corremos para dar conta de inúmeras tarefas, por outro lado, ao avaliarmos o dia, resta a impressão de que pouco foi feito e de que algo essencial escapou. A angústia diante do tempo vivido como insuficiente muitas vezes se soma a uma tristeza persistente que pode se acumular e abrir caminho para formas de sofrimento mais complexas.
É nesse cenário que a depressão ocupa um lugar central, tanto na clínica quanto no discurso social. Reconhecida como um dos principais sofrimentos psíquicos da contemporaneidade, aparece ao mesmo tempo como categoria diagnóstica e como modo de nomear experiências subjetivas de vazio e perda de sentido.
No entanto, quando inscrita no campo da psicanálise, a depressão não se apresenta como categoria. Freud e Lacan não falaram diretamente de “depressão”, mas de estados de melancolia, luto, perda e patologias do desejo. Essa ausência de definição direta nos conduz a uma pergunta: o que a palavra “depressão” implica quando chega ao consultório?
Subjetividade em Risco: Depressão e Aceleração do Tempo
Para a psicanalista Maria Rita Kehl, a depressão mantém um vínculo estreito com o tempo e a velocidade com que ele passa. Essa aceleração, intensificada pelas revoluções tecnológicas, contribuiu para que perdêssemos a capacidade de contar nossas próprias histórias, em parte devido ao fascínio desses objetos tecnológicos e as ações facilitadas por eles, que não necessariamente contribuem para a riqueza subjetiva.
Ela cita o sociólogo Antônio Cândido, que resume a situação ao afirmar que “o tempo é o tecido das nossas vidas” e critica a redução do tempo a um valor monetário. “Eu articulei o aumento das depressões na atualidade com a velocidade que marca a nossa relação com o tempo”, afirma Kehl.
A dificuldade de abordar a depressão na psicanálise, observa Maria Rita no percurso Clínica das Depressões, decorre em parte do fato de que nem Freud nem Lacan trataram especificamente do tema. Freud, por exemplo, fala da melancolia que se distingue da depressão, descrevendo-a como “o tipo de sofrimento que a pessoa tem quando se identifica com o objeto que odeia”. Nesse estado melancólico, o sujeito passa a odiar a si mesmo.
Essa rotina acelerada compromete a construção de experiências significativas, pois a vivência diária — acordar, trabalhar, ir ao mercado — não se transforma em experiência sem reflexão ou narrativa. Nesse sentido, Maria Rita Kehl retoma o pensamento do filósofo alemão Walter Benjamin: transmitir aquilo que se vive é essencial. A vivência só se torna experiência quando narrada, criando um fio que conecta passado, presente e futuro e permitindo que o sujeito, assim como quem recebe a narrativa, compartilhe o sentido do vivido.
A Narrativa como Dispositivo Antidepressivo
A narrativa tem um papel central no manejo do sofrimento depressivo, pois dá sentido à vida e resgata a capacidade de imaginar e fantasiar, tão necessária para o sujeito.
Aqui surge um paradoxo: a fantasia pode auxiliar na saída do estado depressivo, mas, se exacerbada, como ocorre em certas neuroses, acaba por alienar o sujeito e mascarar seu desejo. Em outras palavras, sem a capacidade de fantasiar não há expressão do desejo; em excesso, a fantasia o encobre.
A depressão se caracteriza justamente pela ausência dessa capacidade, levando o indivíduo a viver em um “pântano disforme”, sem conseguir construir nem transmitir sentido. Ainda que de forma indireta e inconsciente, narrar as próprias vivências transforma a rotina em experiência e pode funcionar como dispositivo antidepressivo. A fantasia, embora carregue o risco de alienação, é também condição necessária para expressar e investigar o próprio desejo.
A objetificação do tempo e a sensação de falta de sentido da vida aparecem como fatores centrais: muitas vezes, o que deprime não é uma perda externa, mas a percepção crua de que a vida, do nascer ao morrer, parece não ter sentido. Criar sentido torna-se, então, um esforço constante, um percurso que damos a nós mesmos até a morte, enquanto o restante é inventado.
Conclusão:
Diante desse panorama, a depressão se apresenta como um sintoma que revela o impacto da aceleração da vida, da perda de narrativa e da dificuldade de imaginar sobre o sujeito.
Compreender essas dimensões permite que a clínica contemporânea atue de maneira mais sensível, reconhecendo que o manejo do tempo, a marcação de momentos e a prática da narrativa são recursos essenciais para que o sujeito reconquiste sentido e expressão na própria existência.
O desafio que se coloca ao analista é escutar, em cada caso, o modo singular como o sujeito se relaciona com seu sofrimento, suas perdas e impasses no desejo. É nesse espaço de escuta e elaboração que a psicanálise pode oferecer uma resposta ética, permitindo que o sujeito encontre outras possibilidades de se posicionar diante da própria vida.
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Transcrição e adaptação:
Renata Suhett é jornalista, especialista em marketing, escrita e mídias sociais. Formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário de Barra Mansa - RJ.



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