A importância da pesquisa histórica em psicanálise
- ESPEcast

- 1 de ago.
- 6 min de leitura
É comum que, ao iniciarmos os estudos em psicanálise, nos sintamos atravessados por uma identificação com ela e com os desdobramentos que provoca em nós.
Em 2025, a psicanálise completa 125 anos, tomando como marco fundador a publicação de A Interpretação dos Sonhos (Die Traumdeutung), de Sigmund Freud, em 1900. Diante disso, uma pergunta se apresenta: por que, hoje, voltar-se à história da psicanálise?
Como ela foi construída? Quem são seus interlocutores? E, sobretudo, a partir de que perspectivas essa história foi contada, transmitida e até silenciada?
Essas são as perguntas que nos motivam a abordar o tema neste artigo. Vamos refletir sobre a importância da pesquisa histórica em psicanálise, entender o que está em jogo quando se escreve sua história, além de por que esse movimento se faz necessário, em especial nos dias de hoje.
A inspiração para este texto vem do percurso intitulado História da Psicanálise, conduzido por Richard Simanke, professor de filosofia, história da psicologia e psicanálise, disponível na plataforma ESPECast, que propõe um olhar atento e crítico sobre essa construção histórica.
Boa leitura!
Por que precisamos de história?
Antes mesmo de compreendermos a importância da história da psicanálise, é preciso pensar sobre o papel da história na vida comum.
Essa história sustenta, silenciosamente, a nossa humanidade e segue caminhando sempre em frente, o que pode nos levar a crer, justamente por essa característica, que ela sempre progride. Será?
A importância da história, ou da pesquisa histórica, vai muito além de um olhar para o passado movido pela curiosidade ou pelo apego ao que já foi. Seu valor está na capacidade de lançar luz sobre o presente.
Não se trata de buscar o passado pelo passado, mas de tentar entender como chegamos até aqui e o que, afinal, sustenta aquilo que hoje tomamos como natural.
Como lembra Richard Simanke, “as coisas não aparecem do nada”. Ao falar da ciência e da tecnologia, ele destaca que o que vemos hoje é resultado de processos longos, complexos e atravessados por determinantes diversos, acasos, azares e contingências.
O mesmo se aplica à psicanálise: ela não surgiu pronta, nem permaneceu a mesma ao longo do tempo. É preciso investigar seu percurso.
“Se você é um estudioso da psicanálise, e quiser entender o que a psicanálise é hoje, um ingrediente indispensável nessa explicação vai ser justamente o processo histórico que resultou nisso que a psicanálise é hoje”, explica Simanke.
Estudar história nos ajuda também a sair de uma identificação imediata com o presente. Perceber que as pessoas pensaram e agiram de maneiras muito diferentes em outros momentos históricos, amplia nosso olhar e nos desloca da ideia de que “sempre foi assim”.
Sociedade, política, artes, cultura, tudo já foi diferente. E isso nos convida a pensar: pode ser diferente ainda.
Limites do senso comum: por que pensar historicamente?
Na vida, somos guiados por uma forma espontânea de pensamento que costumamos chamar de senso comum. Trata-se de uma maneira prática de conhecer e interpretar o mundo, que todos nós utilizamos nas tarefas diárias, sem que isso precise passar por validações ou testes constantes.
Segundo o professor Richard Simanke, quando saímos do campo de uma prática científica, pensamos como qualquer pessoa comum: alguém que age com base em crenças compartilhadas, que orientam ações de maneira funcional.
“O cozinheiro não precisa ser químico, nem o jardineiro precisa conhecer a botânica”, argumenta Simanke. E tudo bem, há uma sabedoria prática no senso comum que nos permite seguir a vida.
No entanto, o senso comum tem suas limitações. Ele tende a não ser uma forma crítica de conhecimento. Em geral, aceitamos as crenças tal como elas nos chegam, sem nos perguntarmos de onde vieram ou como foram construídas. E, com isso, ficamos vulneráveis a uma visão ingênua do mundo.
Um dos efeitos mais recorrentes dessa forma de pensamento é a ideia de que o presente sempre foi mais ou menos como é. Simanke nos apresenta um exemplo: a noção de progresso.
Se pensarmos a partir do senso comum, é fácil supor que o avanço tecnológico ocorreu de forma contínua e natural, que os automóveis, por exemplo, foram simplesmente “evoluindo” ao longo do tempo, conforme nossa experiência cotidiana parece mostrar.
Mas uma investigação histórica nos mostra outra coisa: a ideia de progresso como algo positivo, linear e inevitável é recente.
“Foi somente com o Iluminismo europeu, há cerca de 200 anos, que passou-se a pensar que o presente era melhor que o passado, e que o futuro traria ainda mais avanços, quando orientado pela razão. Antes disso, predominava o oposto: acreditava-se que a humanidade havia partido de uma era dourada, e que com o passar do tempo as coisas só haviam se degradado”, explica Simanke.
Aplicar o olhar histórico sobre conceitos como “progresso” nos permite perceber que eles não são universais nem naturais.
Foram construídos em contextos específicos, e só se tornaram dominantes por meio de uma série de processos históricos, disputas e transformações culturais.
Por isso, o conhecimento histórico opera como uma forma de crítica ao senso comum, abrindo espaço para pensar de maneira mais ampla, mais consciente e mais responsável
Por que fazer história da psicanálise?
A pesquisa histórica tem um papel fundamental: ela nos ajuda a relativizar certezas e adotar uma postura mais crítica em relação às crenças com as quais, e pelas quais, costumamos organizar nossa vida.
Como afirma Richard Simanke, “o senso comum, por ser tipicamente não crítico, tende a ser uma forma de conhecimento espontaneamente dogmática”. A pesquisa histórica, ao contrário, nos convida a interrogar o que tomamos como dado, a examinar as origens e os processos que moldaram o presente.
Mas por que fazer história da psicanálise?
A psicanálise, além de ser uma prática clínica, é também considerada um movimento intelectual. Nasceu como projeto de ciência do sujeito, da mente, das formações inconscientes, e, ao longo do tempo, se uniu a saberes diversos, como filosofia, literatura, medicina e antropologia.
Simanke argumenta que algumas de suas noções não são exclusivas da psicanálise, mas compartilhadas em contextos interdisciplinares. Por isso, compreender sua trajetória exige uma pesquisa histórica rigorosa, e não apenas recorrer às grandes figuras e às teorias consagradas.
Quando perdemos essa perspectiva, corremos o risco de tomar por evidentes certas ideias, conceitos e narrativas sobre a psicanálise.
“Se assumimos que as teorias em circulação hoje foram estabelecidas de maneira consensual e definitiva, sem conflito ou debate, deixamos de lado a possibilidade de questionar e revisar nossas próprias posições. A capacidade de pensar criticamente fica comprometida”, explica Simanke.
Além disso, “a própria história da psicanálise é, ela mesma, um campo problemático”, afirma Simanke. O professor diz que por muito tempo essa história foi contada com finalidades que nem sempre buscavam construir um relato fiel sobre os acontecimentos.
Houve disputas doutrinárias, apagamentos, versões oficiais pouco abertas à crítica. E isso torna ainda mais necessário um olhar atento: a história da psicanálise precisa ser reexaminada com base em critérios que respeitem os princípios fundamentais da pesquisa histórica, como o trabalho com fontes primárias, a análise crítica dos documentos e a consciência dos vieses presentes em toda narrativa.
Nas palavras de Simanke:
“Existe uma história da história da psicanálise. E essa história mostra que, em muitos momentos, os relatos sobre a origem e o desenvolvimento da psicanálise foram moldados por intenções específicas, métodos frágeis e objetivos institucionais — e não pela preocupação em reconstruir, com fidelidade e profundidade, o processo histórico de constituição de suas teorias, práticas e personagens.”
Por isso, refletir, preocupar-se, praticar e sustentar a pesquisa histórica no campo da psicanálise é uma necessidade crucial.
Se o objetivo é uma psicanálise viva, crítica, plural e comprometida com a complexidade do humano, é preciso também uma história da psicanálise que não se limite à repetição dos mitos fundadores, mas que se abra ao trabalho da investigação e à força transformadora do pensamento histórico.
CoNCLUSÃO
Por que, hoje, nos debruçar sobre a história da psicanálise?
Porque ela nos permite compreender que a psicanálise não surgiu pronta, nem se mantém imune ao tempo.
Ao revisitar seu percurso, seus impasses e suas múltiplas narrativas, ganhamos ferramentas para interrogar o presente, tanto nas práticas clínicas quanto nas formas de transmissão do saber psicanalítico.
A história da psicanálise revela disputas, esquecimentos, reconstruções e escolhas. E, ao mostrar que as coisas nem sempre foram como são hoje, ela nos ajuda a sair da naturalização das ideias e a perceber que outros caminhos sempre foram, e ainda são, possíveis.
Convidamos você a percorrer as aulas do professor Simanke dentro da plataforma e aprofundar esse caminho de investigação histórica e conceitual.
Em seu percurso — Freud e a psicanálise, Freud e a medicina, Freud e a biologia, Freud e o evolucionismo, Psicanálise e a sexualidade e História da sexualidade — cada tema é tratado com seriedade, contexto e crítica, abrindo novas possibilidades para pensar o surgimento e os desdobramentos da psicanálise em articulação com a ciência, a cultura e a história.
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Transcrição e adaptação:
Renata Suhett é jornalista, especialista em marketing, escrita e mídias sociais. Formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário de Barra Mansa - RJ.


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