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A medicalização do sofrimento


Num contexto onde todo sofrimento é medicado e onde os diagnósticos psiquiátricos aumentam a cada nova versão do DSM, qual o papel da psicanálise? Para isso, trouxemos uma discussão sobre o tema através de um resumo do artigo “A Medicalização do Mal-estar: A Escuta Psicanalítica como um Modo de Resistência”, de Mylena Perez e Nilda Martins Sirelli (2018).



As autoras trazem uma discussão sobre como todo e qualquer sofrimento na atualidade é transformado em transtorno mental. Vemos uma epidemia de novos diagnósticos e “uma grande proliferação das síndromes do pânico, dos transtornos de ansiedade, dos déficits de atenção e das depressões, concomitantemente com o surgimento de inúmeros novos vícios.” (Perez e Sirelli, 2018, p. 118)


Dentro desse contexto, as autoras pontuam que “o sujeito pós-moderno apresenta-se a nós como alguém em extremo sofrimento, que busca de tudo e em todos os lugares maneiras mais eficazes e rápidas de extinguir a dor que o assola não importa aonde vá, o que faça, ou quem seja.” (Perez e Sirelli, 2018, p. 118)


Há pressa pela extinção do sofrimento e na sociedade atual os resultados têm que ser quase que imediatos. Isso vai de encontro com a visão capitalista de que o sujeito deve ser “(... ) como um "super-homem" que deve dar conta de tudo a todo o momento. Fazer-se feliz e saudável, por esforço próprio, reconhecendo todo e qualquer sintoma de sofrimento como fracasso nesse objetivo.” (Perez e Sirelli, 2018, p. 128)


Com esse “repúdio ao sofrer” (p. 128), vemos um aumento na prescrição de medicamentos na tentativa de apagar todo e qualquer mal-estar, sem contar também no aumento dos chamados transtornos mentais diagnosticados. As autoras pontuam que “a cada nova edição [do DSM] podemos ver nossos comportamentos mais cotidianos e mais corriqueiros inseridos em categorias e subcategorias categorias de classificação, e, sendo assim, cada vez mais patologizados.” (Perez e Sirelli, 2018, p. 128)


Ou seja, qualquer coisa que desvie das normas e condutas sociais esperadas é taxado de doença que deve ser medicada. Vemos, por exemplo, a criança que muitas vezes é mais agitada ou questionadora do que as outras e que então recebe um diagnóstico de TDAH, TOD…


A psicanálise vai no caminho contrário dessa visão patologizante atual. Citando as autoras:


Se retornarmos a Freud em "O mal Estar na civilização" (1930), vemos que, muitas vezes ao longo do texto, ele nos pontua que o mal-estar e o sofrimento são arraigados a qualquer civilização em qualquer lugar ou tempo. É vazio o discurso pós-moderno de que cabe somente ao próprio sujeito acabar com seu sofrimento e alcançar uma suposta felicidade. O que está em jogo não é o sintoma apresentado, mas o mal-estar inerente à condição de sujeito. (p. 127)

 

Esse mal-estar do sujeito, ao contrário do que a psiquiatria pensa, “não é visto como algo sempre proveniente de fundo biológico, nem como algo que precise ser arbitrariamente medicado sem dar-se lugar à escuta da subjetividade, à demanda inconsciente do sintoma do sujeito.” (Perez e Sirelli, 2018, p. 129)


Fechando nossa discussão, onde entra a psicanálise nesse contexto? Qual o papel da escuta? As autoras trazem que:


"A psicanálise entra nesse campo para (...) dar lugar à escuta do sujeito, não mais o reduzindo a seu comportamento classificável, estático e generalista, mas criando um espaço e um aparato teórico que, ao invés de tentar lhe extirpar o sofrimento, sustente o encontro do sujeito com o mal-estar que lhe é constituinte." (p. 131)

 

O sujeito é muito mais do que seu sintoma, seu “desvio” ou o que mais incomode a sociedade atual que nos demanda uma performance perfeita. Há muito o que se escutar e elaborar desse mal-estar que está em todos nós. Silenciar, nem sempre, é a melhor opção.


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Adaptação:

Caroline Britto Zapparoli é graduada no curso de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL 2018). Especialização em Clínica Psicanalítica (UEL 2020) e atualmente discente da Especialização em Psicologia Hospitalar: Atuação Multiprofissional do Instituto ESPE. Coordenadora do Setor de Tutoria e Avaliações do Instituto ESPE.


Autor do episódio:

Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.




 
 
 

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1 Comment


Excelentes observações!!! 👏🏾👏🏾👏🏾

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