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A psicanálise é coisa de rico?


Haveria um compromisso social dos psicanalistas, que se comprometeriam a fazer psicanálise para os pobres, a preços mais baratos?” A psicanálise é coisa de rico?

Essa é pergunta analisada por Daniel Omar Perez no episódio #120 do ESPECast, o podcast de Filosofia e Psicanálise, disponível no YouTube e no Spotify. Vejamos o que ele diz a respeito!

 

Há uma pergunta, e há uma afirmação, às vezes, que se faz. Se declara que a psicanálise é coisa de rico e que existe uma psicanálise e uma clínica social, algo que se descobriu agora inclusive. “Havia uma psicanálise e uma psicanálise social, como se fosse uma de verdade, onde você cobra preços caros, e uma psicanálise social, uma para o pobre.” – nas palavras do professor Daniel, que depois acrescenta que não gosta muito dessa ideia de psicanálise e psicanálise social porque dá uma ideia de duas psicanálises.

A psicanálise, a princípio, é uma prática clínica que aponta para o singular, que acolhe a singularidade da dor, do sofrimento, da angústia, do mal-estar, ao mesmo tempo, avança em um campo de investigação científica com o intuito, justamente, de trabalhar e dar lugar a essa singularidade e não submeter toda e qualquer circunstância, situação ou sofrimento ao campo da normatividade. Existem práticas que tentam encaixar qualquer dor, sofrimento, mal-estar, angústia no campo da normatividade. A psicanálise vai no sentido contrário, a partir do momento que procura acolher, como já frisado,  a singularidade dessa situação.

“Essa prática clínica então seria para ricos? Ou seja, somente os ricos poderiam ser acolhidos em sua singularidade? Haveria um compromisso social dos psicanalistas, que se comprometeriam a fazer psicanálise para os pobres, a preços mais baratos?” – nos pergunta Daniel, nos fazendo pensar. – “A princípio, essa questão deveria ser respondida a partir da interrogação daquele que está em posição de analista, das instituições de psicanálise, dos grupos de formação psicanalítica permanente – qual é o papel do pagamento dentro de um processo analítico?” 




O papel do pagamento no tratamento analítico

Lembremos que a psicanálise tematiza, problematiza, questiona a situação do pagamento como fazendo parte do processo analítico. Portanto, devemos distinguir o que é da ordem do honorário, que, eventualmente, alguém que está em função de analista deseja cobrar, e qual é o pagamento em análise.

O pagamento em análise varia de acordo com a situação do paciente, sua situação analítica e subjetiva. Assim sendo, segundo o professor Daniel, “não há uma psicanálise social para os pobres, mais barata, que você pode fazer sábado e domingo, e outra psicanálise mais regular, importante e séria que você faz durante a semana para as pessoas que podem pagar. Eu acho que é um erro grave [essa distinção]. A psicanálise é a psicanálise, e o pagamento deve estar trabalhado dentro do próprio caso clínico. Assim faziam, desde o início, Freud e seus discípulos.

As clínicas públicas de Freud

Daniel nos recomenda, neste ponto, o livro de Elizabeth Ann Danto As Clínicas Públicas de Freud: Psicanálise e Justiça Social. Nele a autora mostra, já nos próprios textos de Freud, que não há uma clínica social. Segundo ela, o que há é uma clínica pública, uma relação da comunidade dos analistas com a polis, a aldeia, com os sindicatos, com os grupos de trabalhadores e trabalhadoras. A ideia então de uma clínica pública não seria a de uma clínica mais barata, seria a de uma clínica articulada com as necessidades de uma cidade, de uma população, de uma comunidade, de uma classe de trabalhadores.

“Isso começa em 1917, 1918, e já se estabelece não apenas com trabalhadoras e trabalhadores, mas também com aqueles que retornam da Primeira Grande Guerra da Europa, que  estão em condições terríveis.”  - comenta Daniel nos contando que essa clínicas públicas não se reduzem à caricatura de um cachimbo e um divã e que esse tipo de trabalho se fazia com crianças órfãs e nos orienta a “não confundir uma clínica mais barata, uma clínica de final de semana, uma clínica de “faço na hora que me sobra” com clínicas públicas”, já que isso seriam duas coisas distintas e que podem ser localizadas desde a origem da história da psicanálise na Europa, como mostra o livro de Elizabeth Ann Danto.



Na América Latina

Outro livro recomendado por Daniel no episódio é “Los Pioneros – Psicoanálisis y niñez en la Argentina 1922-1969” de Ana Bloj. Nele, a autora conta como os pioneiros da psicanálise acolhiam crianças na Argentina médica, psicológica e psicanalíticamente, a partir de 1922. Esse acolhimento se fazia não somente em consultórios privados, mas também em hospitais públicos.

Outras Literaturas

Professor Daniel nos recomenda outras obras a respeito deste assunto – as clínicas públicas.

a) Revista Internacional de História da Psicanálise - disponível em português – apresenta a prática clínica dos psicanalistas durante a Primeira Guerra Mundial.

b) Memória, História e Diálogo Psicanalítico, volume organizado por Marie Langer, e Questionamentos: A prática clínica e suas instituições são títulos que funcionam como uma espécie de anais da história. Nestes textos podemos ver como o trabalho dos psicanalistas não só está nas instituições públicas, mas também nas privadas, uma prática que a própria IPA -  Associação Internacional de Psicanálise -, através da APA – Associação Psicanalítica Argentina – leva adiante.

c) “Von Wien bis Managua - Wege einer Psychoanalytikerin” (De Viena a Manágua. Caminhos de uma psicanalista) de Marie Langer, disponível também em inglês, mostra toda trajetória da psicanalista Marie Langer, que atuou como médica praticante de psicanálise nas frentes de batalha da Guerra Civil Espanhola, na fundação, nos anos 40,  da APA, na Argentina, nos anos 40, sua atuação como refugiada europeia e como membro de diferentes organizações, instituições, faculdades e hospitais assim como sua saída da Argentina por motivos de perseguição política, de onde sai para o México e depois segue descendo para outros países da América Central, onde se estabelece em Manágua, capital da Nicarágua, onde faz clínica psicanalítica e tenta acolher pessoas que trabalhavam com a terra, ou nas frentes de batalha, ou em algum lugar servindo seu país. 

“E a psicanálise se fazia na montanha, na floresta, na rua até, inclusive, em um hospital público e em um consultório fechado.” – Daniel Omar Perez.

d) Psicoanálisis en las Américas: el processo analítico. Transferência y contratransferencia. Marie Langer, Leon Grinberg e Emílio Rodigué, disponível em espanhol – Este volume – que são os anais de um evento - trabalha o problema da transferência, dentre outros, trazendo como se pratica a psicanálise nas Américas e quais são suas nuances, perspectivas e elementos que são mais peculiares nas práticas clínicas de cada uma das Americas.

e) Las Huellas de la memoria – Psicoanálisis y salud mental en la Argentina de los ’60 y ’70 – disponível em espanhol. – São dois volumes que contam a história da saúde mental na Argentina de 1957 a 1983. “É muito interessante vermos o que os psicanalistas faziam, tanto no âmbito público quanto no âmbito privado e quantos psicanalistas tiveram que sair, rapidamente, da Argentina porque praticavam a psicanálise, que não era exatamente uma prática apenas para ricos e uma psicanálise social, uma clínica social, que se fazia nos finais de semana.” 


 

CONCLUSÃo

“Assim vemos que a prática clínica, como se constata na história de seu desenvolvimento, tanto na Europa quanto nas Américas, está muito além de ser apenas uma prática clínica na caricatura de um divã em um bairro caro.” – Daniel Omar Perez

Até nosso próximo texto.

Gostaria de assistir o episódio completo de nosso podcast sobre o tema? Confira o vídeo abaixo:






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Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autor do episódio: Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.


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