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COMO ESCOLHER UM CURSO DE PSICANÁLISE?

Atualizado: 7 de jun.


A pergunta de hoje é “Como Escolher um Curso de Psicanálise”? Questão importante, tanto nos dias de hoje, onde ofertas abundam, como em tempos passados. Como abordar? Como encarar? Como começar os estudos de psicanálise, mas a partir de cursos. Vamos, juntos com o professor Daniel Omar Perez neste episódio, descobrir se há uma fórmula mágica. Você pode acompanhar o episódio #61 no canal do ESPECast no YouTube ou no Spotify.




 

O INÍCIO DA IPA


Como escolher um curso de psicanálise? Essa é uma questão que, de alguma forma, quem se inicia na área costuma se perguntar. Tem uma história isso.


Como sabemos, a psicanálise foi inventada por Sigmund Freud a partir da relação que ele desenvolve com o Dr. Charcot no hospital Salpetrière, em Paris, e com as suas centenas de pacientes histéricas. De retorno a Vienna, estabelece um vínculo com o também médico Joseph Breuer, e o trabalho que os dois realizam juntos faz com que ele se debruce sobre os problemas da histeria. Estes tópicos já foram apresentados aqui no blog e no canal em outros episódios, que podem ser verificados.


Existiram também as cartas de Freud ao amigo, também médico, Flieβ, cartas estas que desenvolvem também um tipo de reflexão que acaba contribuindo para a formação dos fundamentos da psicanálise, sendo de grande importância para o início do chamado dispositivo psicanalítico.


A rigor temos que Freud inventa a psicanálise partindo de algumas ferramentas tomadas de diferentes práticas que ele ia experimentando no campo clínico. Com essas ferramentas ele começa então a formar grupos de trabalho, particularmente em Viena, cidade onde ele pratica e desenvolve a psicanálise como um novo campo de investigação científica.


Este grupo de Viena então começa a se vincular a outros grupos, que passam a ficar sabendo das técnicas de Freud quando ele publica seus trabalhos, alcançando assim outros médicos que, porventura, atendem pacientes com sintomas semelhantes àqueles relatados.


Assim vão se formando grupos organizados. O grupo onde Freud desenvolvia elementos clínicos e teóricos se reunia uma vez por semana, geralmente com ele presente, e comportava praticantes médicos e não médicos da psicanálise como também pessoas comuns, interessadas pela matéria. E é assim que começa o estudo da psicanálise! Grupos de médicos, não médicos, praticantes, pessoas da cultura interessadas, por diversos motivos, por ela, mas que não necessariamente mantinham uma prática clínica.


Em 30 de março de 1910 Freud funda, juntamente com Sándor Ferenczi, a Associação Internacional de Psicanálise. O nome era inicialmente em alemão, mas depois se estabeleceu com a nomenclatura em língua inglesa: IPA – International Psychoanalytical Association.

“Isso é muito importante” – nos diz Daniel – “porque de 1910 a 1936 a Associação Internacional de Psicanálise, de algum modo, tem seu lugar como organização na Europa continental.”

A partir de 1936, com a saída da maioria dos praticantes de psicanálise da Europa continental, muitos deles fugindo do nazismo e migrando para a Inglaterra ou para os Estados Unidos, o poder da Associação se concentrou na Inglaterra. Cursos então começam a ser estabelecidos e aí a IPA começa a organizar os estudos de psicanálise, estabelecendo critérios para quem poderia ministrar estes cursos, quem poderia ser candidato a participar destes cursos. Existira então um processo que incluiria uma análise pessoal, uma análise didática e além disso uma série de cursos que cada um dos candidatos a praticante de psicanálise deveria fazer.


Isso vai se estruturando e nota-se que associações locais vão se multiplicando, por diferentes países. Inicia-se então com o movimento em Viena, passando pela Hungria, Suíça, avançando, logicamente, por Londres e por outros lugares do Leste Europeu, até chegar na Rússia e a outros continentes.


  • Em 1927 se funda a Associação Brasileira de Psicanálise.

  • Em 1932 se organiza uma sociedade japonesa de psicanálise.

  • Em 1942 se funda a Associação Psicanalítica Argentina.

“Quer dizer que já antes, já na primeira metade do século XX, nós temos psicanálise desde o Japão, a Rússia, o leste europeu, Europa Continental, Inglaterra, Estados Unidos e a América Latina, no Brasil e na Argentina” – nos localiza Daniel, salientando que deste modo a grande instituição se funda e se organiza e passa a estabelecer, de algum modo, que é o psicanalista, que é o candidato a ser psicanalista, como que se organiza um curso de psicanálise, quem são aqueles que estão em condições de fazer cursos de psicanálise, dentre outras diretrizes.



CRISES E RUPTURAS


Isso tudo não aconteceu suavemente, houve crises dentro do próprio movimento. Carl Gustav Jung provoca uma dessas crises, sendo ele um grande nome dentro da fundação da IPA, chegando ele mesmo a quebrar vínculo com ela e criar sua própria psicologia analítica. Há um grupo que funda a Associação de Psicologia Profunda. Alfred Adler também se abre a outros métodos e acaba fundando outro tipo de trabalho de formação de estudos. Isso indica que, ao mesmo tempo que há um crescimento, há também rupturas, fraturas que criam assim outros movimentos importantes.


Depois da Segunda Guerra Mundial, já nos anos 50, 60, essas crises vão se aprofundar, especialmente com o avanço de um trabalho muito intenso de diferentes correntes na Inglaterra. Melanie Klein, Donald Winnicott e Anna Freud por exemplo vão ser figuras muito marcantes, com estilos de trabalho clínico e dispositivos conceituais diferentes, que vão marcar outros modos de se entender a formação e o trabalho clínico.


Na França acontece algo similar. Lá há um grupo que começa a divergir, inclusive, do nome da Associação. Estabelecido em inglês, os franceses reivindicam manter a sigla e o nome da mesma em sua língua. Lá existe, ao mesmo tempo, uma Associação Francesa de Psicanálise e uma Associação Parisiense de Psicanálise, mostrando que há uma espécie de “racha” dentro da comunidade psicanalítica, mas ambas sendo vinculadas à IPA. Em 1964 a IPA então expulsa Jacques Lacan da associação e outros tipos de formações surgem. Lacan abre um outro campo de formação, com outros critérios.


Então neste ponto já tempos a psicanálise da IPA, com diferenças e particularidades em cada lugar, o grupo da psicologia profunda e da psicologia analítica fazendo outro tipo de trabalho, a psicanálise francesa que na década de 60 começa a ter um perfil próprio. Existe também a escola ortogenética de Bruno Bettlehein, um também austríaco, e outras cisões e rupturas.


Com a morte de Lacan, inclusive dentro do que poderíamos chamar de Escola Lacaniana, outras possibilidades se abrem e podemos ver então que a psicanálise pode ser dita de diferentes modos e as formações podem ser feitas de maneira também distintas.



A ESCOLA LACANIANA HOJE


Hoje nós temos várias escolas lacanianas, reconhecidas, de alcance nacional e internacional. Daniel nos conta que o que aconteceu nos últimos anos, especialmente, foi uma proliferação de pequenos grupos auto-organizados, como aqueles que haviam no início. Grupos que se organizam em grupos de estudos e que já não respondem tanto a uma estrutura internacional e a uma hierarquia que segue um modelo pré-formatado do que seriam os estudos de psicanálise.

“No Brasil nós temos instituições que tem 10, 20, 30, 40, 50 anos de existência, que oferecem seus cursos, oferecem suas formas de lidar com os estudos de psicanálise, através de cursos formais progressivos, através de grupos de estudo, através de seminários livres.” – nos conta o professor, apontando que em alguns grupos lacanianos é comum a modalidade criada por Lacan e chamada de Cartel, que é um grupo de quatro pessoas e mais um.

Ou seja, quatro pessoas que estudam um tema relacionado a psicanálise e um mais um que tem uma função que não é exatamente de coordenar o grupo, mas de ser aquele que, de algum modo, rompe a cristalização que se produz em um grupo e impulsiona o trabalho.

Hoje nós temos grupos que são presenciais, grupos que são virtuais, grupos que são formados por 8, 10, 12 psicanalistas de uma cidade específica e são vinculados a grupos nacionais, por exemplo, e grupos e instituições nacionais que são vinculados, por sua vez, com outras instituições, de outros países, formando organizações internacionais.



 


CONCLUSÃO


Então voltemos a nos questionar: no meio disso tudo, como fazer para escolher um bom curso de psicanálise?


Existem propostas de cursos feitas por todos estes grupos citados, tanto de modo presencial como de modo virtual, especialmente depois da pandemia. Neste cenário, também a universidade começou a tomar um papel importante. Encontramos hoje cursos de especialização, de extensão, mestrados e doutorados em psicanálise, às vezes mestrados e doutorados que não são exatamente em psicanálise, são na área de educação, de filosofia, de letras, de fonoaudiologia e de medicina por exemplo, mas que trabalham temas da psicanálise e propiciam a possibilidade de desenvolvimento do campo de investigação científica da psicanálise.


Com tanta oferta é difícil saber como escolher um bom curso. É difícil saber, principalmente quando a gente não tem muita familiaridade com o campo psicanalítico.


“Por isso o mais recomendável, me parece, é começar pela própria análise e pelo estudo de textos que podem estar ao alcance e pela possibilidade de frequentar diferentes grupos de psicanalistas.” – nos orienta Daniel. – “Me parece que o melhor modo de escolher é frequentar diferentes possibilidades, até encontrar aquele grupo com o qual há uma relação transferencial, há um vínculo, que permita, de algum modo desenvolver algum tipo de estudo. Este estudo pode ser por um interesse pessoal, pode ser por interesse de uma profissão, que não necessariamente esteja vinculado à clínica psicanalítica stricto sensu. Ou pode ser porque alguém tenha chegado na sua análise a ver que chegou a hora de ver a possibilidade de sustentar a análise de outro. Quando se chega em análise a essa enunciação, resulta mais fácil saber qual curso gostaríamos de fazer.” – conclui o professor.


Então, se tornaria interessante:


  • ler;

  • estudar;

  • frequentar grupos de estudos com pessoas que tenham interesse e, a partir dessa experiência coletiva, deste encontro com outros interessados, encontrar um lugar para poder estudar psicanálise

  • frequentar seminários e eventualmente participar das atividades;

  • fazer análise e através dela se deixar descobrir o desejo de se sustentar a análise do outro.

Uma coisa é vital neste ponto: evite cursos que ofereçam título de psicanalista, tendo em vista que não existe o titulo de psicanalista.

“A psicanálise é uma prática clínica e um campo de investigação científica que se abre, como dizemos, a partir de Freud, que tem 130 anos de história, que comporta casos clínicos que vão desde o Japão até o Brasil e que não se institucionaliza como uma prática regulamentada, salvo em alguns países.” – nos aponta Daniel chamando atenção para este ponto de extrema importância.


Coletivamente, segundo Daniel, se torna mais fácil escolher um curso de psicanálise. Participar de grupos de psicanálise em sua própria cidade, ou online com psicanalistas com uma certa experiência, com grupos que já apresentem uma trajetória, mas especialmente, e essencialmente, que não prometam títulos, que não prometam credenciais, que não prometam nenhum futuro exitoso, porque essa promessa não cabe para a psicanálise e muito menos para um curso de psicanálise.



Gostaria de assistir o episódio completo de nosso podcast sobre o tema? Confira o vídeo abaixo:





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Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autor do episódio: Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.

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