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O DESENVOLVIMENTO DA PSICANÁLISE

Atualizado: 7 de jun.


“A psicanálise tem 130 anos de história e está escrita nas mais diversas línguas.” Diz o professor Daniel Omar Perez no início deste episódio #62 do ESPEcast, nos introduzindo o que vai ser trabalhado. Vamos, junto com ele, nos debruçar sobre essa questão?


 


Considerando que a psicanálise se origina na última década do século XIX, ou seja, nos anos 1890, época em que Freud se depara com os casos de histeria de Charcot em Salpetriere, trabalha com Joseph Breuer, levando adiante um trabalho clínico e terapêutico, registrando esses casos, estabelecendo diálogos com seu amigo Flieβ, tanto pessoalmente quanto por correspondência, que se tornaram fontes para seus primeiros manuscritos - em especial o que foi publicado depois como Projeto de uma Psicologia para Neurologistas. Época também onde Freud sonha e os seus sonhos vêm a se tornar o material com o qual ele vai escrever A Interpretação dos Sonhos, a certidão de nascimento da psicanálise, em 1900 vamos chamar assim. Assim, podemos dizer que a psicanálise tem 130 anos de existência.


Ela nasceu em Vienna, com Freud, mas se espalhou por todo Leste Europeu, especialmente na Hungria, na Ucrânia, na Rússia, passando pela Suíça, França, Inglaterra e atravessando os oceanos. Temos associações psicanalíticas no Japão, na Austrália, nos Estados Unidos, no Brasil, na Argentina, em todo mundo praticamente. Portanto, a obra de Freud é uma parte importantíssima para quem estuda a psicanálise, mas não é a única. Já em sua época apareceram os que foram chamados de “os discípulos de Freud”.


Um livro escrito por Paul Roazen intitulado Freud e seus Discípulos, publicado em 1971 nos permite ver como Freud lidava com suas descobertas, com seus sonhos, com seus casos e com as pessoas que se aproximavam dele, narrando como se originou o primeiro grupo e como esse grupo se expandiu, como apareceu, por exemplo, o primeiro congresso de psicanálise, em setembro de 1911, O Congresso de Weimar, realizado pela Associação Psicanalítica de Weimar, registro que também está no segundo volume da biografia de Freud escrita por Ernest Jones “Vida e Obra de Sigmund Freud.”


Daniel nos mostra neste episódio uma fotografia que se encontra no livro de Jones onde estão 41 pessoas, dentre elas o próprio Freud:


“Esses discípulos, essas pessoas, esses médicos, esses praticantes não médicos também de psicanálise, que giram em torno das primeiras descobertas de Freud, vão contribuir, especificamente, em alguns pontos muito importantes que, para o estudante, para o interessado em psicanálise, me parecem ter alguma importância.” – nos diz o professor, citando depois os nomes de Otto Rank Ludwig Binswanger, Foster, Paul Federn, Karl Abrahan, Lou-Andreas Salomé, Emma Jung e Sandor Ferenczi, ressaltando que este último, em um determinado momento propôs a abertura de um curso de psicanálise na Universidade de Budapeste, ideia que Freud não teria de início achado ruim, mas que não foi levada adiante.


Voltando ao volume de Roazen, Daniel ressalta que nele há interessantes caracterizações de Alfred Adler, de Jung e de sua ruptura com Freud, de Wilhelm Stekel, outro grande psicanalista com perspectivas próprias, de Victor Tausk e a seguir nos lê um trecho do volume, transcrito como lido no episódio:


Freud continuou a ter Steckl na conta de um analista com perspectivas analíticas. De acordo com o relato de Joseph Wortis, um analisando em treinamento, com quem Freud saiu-se mal, Freud achou que as mentiras de Steckl haviam sido desmascaradas por Tausk. Eu disse que Steckl me havia descrito, Freud, como um dos maiores gênios, mas Freud recusou o elogio, declarando-o destinado expressamente a chegar aos seus ouvidos. Eles primeiro me chamam de gênio, diz Freud, e passam depois a rejeitar todos os meus pontos de vista. A admiração que Steckl demonstrava por Freud era apenas fingida para Freud.**


Este trecho nos mostra, frisa o professor Daniel, como que Freud era bastante ciumento com suas ideias e bastante cuidadoso com elas. Ao mesmo tempo em que dava possibilidades para que novos aportes se realizassem, ele cuidava para que, de alguma forma, seus ensinamentos fossem seguidos e era aí que estabelecia um vínculo com cada um de seus discípulos e com as pessoas que se aproximavam dele.


Haviam também as mulheres que se aproximavam de Freud e da psicanálise, destaca Daniel citando os nomes de Hermine von Hug-Hellmuth, Helene Deutsch e da herdeira direta de Napoleão, e figura importante na história da psicanálise, tanto na parte teórica quanto, e especialmente na sobrevivência de Freud quando da perseguição aos judeus, a princesa Marie Bonaparte. Entre elas tem um destaque muito especial a figura de Ruth Mack Brunswik, que se aproximou de Freud com 25 anos e que a ela teriam encaminhados alguns casos clínicos de Freud, dentre eles o do Homem dos Lobos, que ela diz ter curado de uma psicose.


Melanie Klein. Faz sua formação psicanalítica em Budapeste e em Berlim, retornando depois para a sua Inglaterra e se torna uma personagem importante, na medida em que abre novas possibilidades clínicas para a psicanálise. Roazen, segundo professor Daniel, diz que


a principal contribuição de Klein, assim como a de muitos outros psicólogos pós-freudianos, constituiu em salientar a importância das etapas pré-edipianas do desenvolvimento da personalidade. Sob orientação pessoal de Freud, Ruth Brunswik tentara formular o primeiro papel desempenhado pela mãe, e como haviam feito Carl Jung e Otto Rank, contrariando a Freud. Harry Stack Sullivan, e em nossos dias Donald Winnicott e Erik Erikson também lançaram luzes sobre os mais primitivos laços da criança com a sua mãe.**


Enquanto Freud propõe, em um determinado momento, numa tentativa de conciliar um debate com Jung, o complexo de Édipo, esta outra corrente de psicanalistas, em especial Melanie Klein e Donald Winnicott - os ingleses - tentam estabelecer aquilo que viria antes do Édipo, fazendo surgir então a psicanálise com crianças, algo que Freud havia explorado muito pouco, a salientar, somente no caso do Pequeno Hans.


Para aqueles que se interessam na história da psicanálise, professor Daniel sugere uma publicação da Revista Internacional da História da Psicanálise, o volume 1, do ano de 1988, publicada em português neste mesmo ano. Nessa revista há um primeiro trabalho sobre a psicanálise e os psicanalistas no mundo durante a Primeira Guerra Mundial. Depois se segue um artigo sobre a contribuição dos psicanalistas durante o período do nazismo, outro sobre a questão do movimento psicanalítico no mundo durante os anos de guerra da Segunda Guerra Mundial, e as contribuições dos psicanalistas nessa época e daí as relações entre psicanálise e guerra, psicanálise e política, psicanálise e nazismo, psicanálise e fascismo.


Esses temas políticos, históricos, sociais eram debatidos com bastante intensidade já nos anos 1920, 1930, 1940, 1950, e são retomados por essa revista, o que mostra que a psicanálise não se abstinha da questão política e dos acontecimentos que atravessavam a vida cotidiana dos seus pacientes, como a guerra, o nazismo, o fascismo. Esses tópicos eram temas de arquivos, de publicações, tanto de Freud quanto de seus discípulos, quanto de outros psicanalistas mais distantes do seu círculo.


Isso se daria não somente na Europa, Daniel nos aponta algumas publicações latino-americanas e destaca o trabalho de León Grinberg, Marie Langer, e Emilio Rodrigué, publicado em espanhol e intitulado Psicanálise nas Américas: o processo analítico, transferência e contratransferência, que tenta ver a questão da transferência e da contratransferência, não só em casos pontuais, mas também vinculados com a prática que se faz em diferentes lugares da América. Algo que, como nos aponta Daniel no episódio, chama atenção porque não se trataria apenas de caso particular, mas da contextualização histórica e geográfica do problema em questão: a transferência e a contratransferência.


“A Associação Psicanalítica Argentina, na época de Rodrigué, Grimberg e Marie Langer, tem várias publicações nesse sentido e colocam a psicanálise em diálogo com os problemas da sociedade, e colocam os problemas dos conflitos psíquicos em relação com o contexto social, econômico e cultural, na construção dos próprios casos. E, obviamente, isso tem uma influência na clínica.” – nos diz Daniel. E prossegue: “Algo que podemos ver já acontece desde a década de 1920, em um texto publicado aqui no Brasil, de Elizabeth Ann Danto, intitulado “As Clínicas Públicas de Freud”.


Este livro nos mostra como o trabalho clínico não se faz apenas no divã de uma clínica particular, não somente com relação a classe média, mas em relação com toda a comunidade.




 

CONCLUSÃO


Por fim, Daniel conclui afirmando que esses 130 anos de psicanálise mostram como não só Freud, mas seus discípulos; não só seus discípulos, mas também as diversas associações que vão desde o Japão até a Austrália, atravessam o Leste da Europa, a Europa Central e a Inglaterra e o Atlântico para os Estados Unidos, Brasil e Argentina, trazem 130 anos de contribuição de uma clínica que nos oferece um material que vai para além das obras de Freud, de seus preciosos volumes, e também, obviamente, para além de Lacan. Daniel nos chama atenção para o fato de que talvez, nas circunstâncias em que a psicanálise se encontra atualmente, isso seria interessante revisitar.


Gostaria de assistir o episódio completo de nosso podcast sobre o tema? Confira o vídeo abaixo:







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Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autor do episódio: Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.


**Nota: As citações presentes nesta transcrição foram feitas conforme lidas pelo professor Daniel Omar Perez no vídeo e as explicações seguintes são as suas explicações. Para efeitos de citações exatas, consultar as edições das biografias citadas.

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