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O QUE É O INCONSCIENTE PARA A PSICANÁLISE?



Qual é o papel do inconsciente na psicanálise?


A psicanálise é uma prática clínica inventada por um médico vienense judeu no final do século XIX para tratar casos de histeria. O modo de desenvolvimento desse tratamento clínico estava sustentado por um dispositivo, ou seja, por um conjunto de regras, conceitos, noções e hipóteses. O início de tudo isso, a hipótese, a descoberta, a invenção do inconsciente abre um novo campo de investigação científica. É sobre isso que o professor Daniel Omar Perez discorre no episódio #90 do ESPECast, disponível nas plataformas YouTube, Spotify e ao final dessa matéria!


 

Quando Freud observa os casos de histeria que o Dr. Charcot tratava no hospital Salpetrière, em Paris, ele percebe que os sintomas apresentados por aqueles pacientes não estavam, de forma alguma, vinculados a uma causa anatomofisiológica, ou seja, a uma causa consciente. Suas dores, seus medos, suas contraturas musculares não respondiam, portanto, a uma determinação biológica. Não havia ali nenhuma causalidade natural. O que havia era uma causalidade psíquica. 

Naquele tempo, os médicos entendiam – pelo menos Freud entendia assim - que não se tratava, porém, de uma causalidade psíquica consciente, ou seja, a pessoa não contraía seus braços, suas pernas, produzia algum tipo de fobia, por exemplo, escondia de sua própria consciência alguma lembrança, dentre outros fenômenos, de maneira consciente. A partir daí Freud elaborou, aos poucos, a hipótese do inconsciente.


Esse trabalho se inicia quando Freud trabalha com Joseph Breuer e publica, em 1895, os Estudos sobre a Histeria. Podemos perceber o desenvolvimento da ideia quando Freud rompe com Breuer e começa a trabalhar com Wilhelm Flieβ e começa a redigir cartas a ele onde aparece a noção de inconsciente e também, com toda sua clareza, em um esboço que ele escreve, intitulado Projeto de uma Psicologia para Neurologistas – ou para cientistas em algumas edições – que se trata de um esboço de uma teoria científica, escrita em 1985, onde aparece então a primeira tópica, formada pelas instâncias Ics, Pcs, Cs – Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente. Neste ponto Freud começa a inventar, a descobrir e a elaborar a questão do inconsciente.

Porém, antes de Freud já se trabalhava essa noção - a do inconsciente - na história da filosofia ou em várias áreas do pensamento alemão do século XIX, por exemplo, porém a partir do trabalho de Freud, ela adquire outro peso, outra articulação. A noção de inconsciente aparece como um sistema produzido a partir do que se recalca. Sendo assim, determinadas representações conseguem passar para a instância Pcs e algumas poucas conseguem chegar a instancia Cs. Algumas outras são reservadas ao Ics.


Depois então do Projeto de uma Psicologia para Neurologistas – material publicado postumamente – Freud continua trabalhando na sua elaboração do inconsciente e publica livros fundamentais: A Interpretação dos Sonhos, Psicopatologia da Vida Cotidiana, O Chiste e sua Relação com o Inconsciente. Nestas obras são determinados os lugares, as situações onde o inconsciente emergiria: nos sonhos, nos lapsos, nos esquecimentos de nomes próprios ou de objetos, nas trocas de nomes ou de palavras, nos chistes, ou os também chamados ditos espirituosos.


Em 1915, Freud escreve um conjunto de textos conhecidos como Textos Metapsicológicos, composto dos textos: Introdução ao Narcisismo; As Pulsões e seus Destinos – ou O Instinto e suas Vicissitudes ou As Pulsões e suas Vicissitudes em algumas edições – A Repressão; O Inconsciente e Luto e Melancolia. Nestes textos vamos ver como é que, de alguma forma, funciona o inconsciente para Freud.


O texto intitulado O Inconsciente é um texto bastante curto e nos dá a pauta de como é que funciona esse sistema e qual é a noção de Inconsciente no início da primeira tópica freudiana. Neste texto Freud vai nos dar uma justificativa, vai nos dar uma apresentação, vai mostrar o ponto de vista utópico e o ponto e vista dinâmico, ou seja, neste texto Freud vai fazer um exame exaustivo das qualidades especiais do sistema inconsciente, mostrando como ele se relaciona com o sistema consciente e como os elementos inconscientes são reconhecidos.


Mais tarde, em 1923, como o texto O Eu e o Isso, Freud vai introduzir sua segunda tópica. Ela já não mostrará mais apenas as instâncias Ics, Pcs e Cs, mas também outras três: a instância do Isso (Id), de onde emanariam os impulsos; a instância do SuperEu (ou SuperEgo), que seria a instância da normatividade, do mandato, da regra e, entre as duas, se formaria então, como uma formação de compromisso, como um modo de negociação, como uma crosta – e às vezes a metáfora chega a ser essa – a instância do Eu. Isso não quer dizer, porém, que Freud substitua a sua primeira tópica do inconsciente pela sua segunda tópica. O que ocorre é a articulação de ambas para a elaboração de um outro tipo de acolhimento e encaminhamento de um tratamento clínico.


“Assim podemos ver que o inconsciente passa por diferentes etapas e é abordado de diferentes modos, com diferentes aspectos na própria obra de Freud.” – nos diz Daniel no episódio.



INCONSCIENTE COMO PONTO DE DISCÓRDIA

Ao mesmo tempo, porém, que o inconsciente foi o ponto de desenvolvimento da psicanálise, podemos dizer com bastante clareza que ele foi também o ponto da discórdia. Alfred Adler, por exemplo, vai se afastar da psicanálise, da psicologia do inconsciente, para tentar abordar outro tipo de tratamento caracterizado como psicológico, afastado da noção de inconsciente.


Carl Gustav Jung também, mais tarde, vai se afastar de Freud e propor outra teoria para o inconsciente, propondo em sua obra uma espécie de inconsciente coletivo, com características bem distintas do postulado por Freud.

  O INCONSCIENTE EM LACAN Em 1953, depois de um profundo debate, ocorre uma cisão dentro da Sociedade de Psicanálise de Paris. Essa cisão cria dois grupos de psicanalista, entre eles Jacques Lacan, que acabam fundando a Sociedade Francesa de Psicanálise. Nela, Lacan vai propor pensar o inconsciente no registro do Real, do Simbólico e do Imaginário, o articulando à linguagem e ao que ele chama de doutrina do significante. O inconsciente, portanto, não seria algo - como estava sendo postulado pelos pós-freudianos nos anos 20, 30 e 40 - da ordem da interioridade do sujeito, mas da ordem do significante. Jacques Lacan começa então a postular o inconsciente estruturado como uma linguagem, como a incidência do significante sobre um sujeito cindido.


A partir daí começa-se a pensar o inconsciente como o discurso do Outro, quer dizer, o sujeito se constituiria como cindido pela linguagem a partir do discurso do Outro. Lacan avança nessa perspectiva da noção de inconsciente no Seminário 5 – As formações do inconsciente. Nele, Lacan propõe abordar essa sua noção para, de algum modo, retomar o lapso, a troca de nomes, de palavras, a articulação de pedaços de palavras, mostrando que o inconsciente operaria, portanto, em uma cadeia de significantes, ou, se preferirem, no registro do discurso.


Em 1964 ocorre outro momento histórico importante para a psicanálise francesa: a expulsão de Jacques Lacan da IPA, que então funda sua própria escola e profere o que é conhecido como Seminário 11 – Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, que segundo ele seriam, de forma articulada, o inconsciente e a repetição, a transferência e a pulsão.


Lacan expõe neste sua noção de inconsciente em uma aula que Jacques Allain Miller - responsável pelo estabelecimento do texto do seminário para publicação – vai intitular, tomando suas próprias palavras, de O Inconsciente Freudiano e o Nosso.


“Em 1964, Lacan, com todas as letras, está dizendo que há uma noção de inconsciente em Freud, que é da ordem do sistema, e há um inconsciente em Lacan, que é da ordem da articulação significante.” – nos aponta Daniel no episódio.


Em 1976, vai haver outro movimento da noção de inconsciente em Lacan.


“Vemos um inconsciente em Lacan em 1953, um avanço, uma reelaboração do inconsciente em 1964 e outra noção de inconsciente em 1976, no seminário 24.” – nos aponta Daniel.


No Seminário 24 Lacan vai postular o inconsciente - antes pertencente ao registro do significante, ao registro do simbólico – como Real, ou seja, como um inconsciente para além do discurso do outro, para além da doutrina do significante, para além do simbólico. Neste sentido, ele dá nesse seminário alguns elementos dessa noção, profere mais um seminário posteriormente, dissolve sua escola, acaba com o seu ensino e finalmente morre em 1981. A partir daí, outros psicanalistas vão avançar, em outras perspectivas, com a ideia de um inconsciente Real, em especial Jacques Alain-Miller.


CONCLUSÃO Para quem quiser avançar mais nessa questão, tanto na história, em Freud ou em Lacan, quanto nos modos de ver o inconsciente na clínica das psicoses, ou no modo de vê-lo em relação com a imagem inconsciente do corpo, como postula Françoise Dolto, nos de entendê-lo na clínica com crianças e adolescentes, a dica é acessar a plataforma do ESPECast e acompanhar os resultados das pesquisas de outros psicanalistas e de outros praticantes e teóricos da psicanálise.

Gostaria de assistir o episódio completo de nosso podcast sobre o tema? Confira o vídeo abaixo:





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Transcrição e adaptação: Gustavo Espeschit: Psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


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