“O grafo do desejo não é outra coisa que uma tentativa de formalização da constituição do sujeito de desejo.” Este episódio #101 é desafiador. Nele o professor Daniel Omar Perez tenta nos mostrar o que é o Grafo do Desejo de Jacques Lacan em 5 minutos, mas ele mesmo nos diz logo no início que é uma tarefa impossível.
Então vamos ao episódio e vamos entender o que dá pra fazer em mais de 5 minutos! Você pode assisti-lo no YouTube ou ouvi-lo no Spotify! Vamos a ele.
O grafo é um elemento da matemática, uma forma matemática, algo que a matemática usa para unir pontos com vetores. Qualquer coisa que una pontos com vetores é um grafo. Daniel nos conta que um dos jogos mais populares de grafos é o “Jogo das Pontes de Koenigsberg”. Koeningsberg era uma cidade do antigo Império Prussiano, sendo hoje território russo.
Essa cidade conta a lenda de um rio que tinha sete pontes. A questão é passar pelas sete pontes sem cruzar duas vezes a mesma ponte. Unir pontos e vetores de tal forma que possamos passar pelas sete pontes sem passar sempre pela mesma ponte é o jogo. Aí nós temos um grafo.
Grafos se usam em matemática, em biologia e grafo é o que Lacan tenta trabalhar. “O grafo do desejo não é outra coisa que uma tentativa de formalização da constituição do sujeito de desejo.” – nos diz Daniel no episódio.
O GRAFO DO DESEJO
O grafo do desejo faz, primeiramente, um movimento que sai de um ponto de basta e chega do outro lado, se juntando outra vez ao ponto de basta e fazendo um movimento circular.
O grafo de Lacan parte de um ponto de basta (veja a figura da direita para a esquerda) e chega no outro ponto.
No ponto de basta inicialmente temos um sujeito que ainda não existe (▲). Esse sujeito que não existe se depara então com um grande Outro, que é a mãe que, por uma relação especular, permite criar um Eu, faz aparece uma imagem do Eu – i(a)
“Aqui há diferentes modulações. Há vários momentos nos quais Lacan usa o grafo do desejo. No seminário 5, no seminário 6, no seminário 10 e em alguns escritos dos Escritos lacanianos. Vamos fazer de uma forma mais simples.” – diz Daniel.
O sujeito que ainda não existe (▲) se depara com a mãe (A). A mãe, de algum modo, oferece sua imagem para um Eu e esse Eu, de alguma forma, se encontra com sua própria imagem e também com os significantes do outro. Nessa imagem do Eu, então , fica inscrita o significante. A mãe (A), como grande Outro, é também a depositária de todos os significantes para esse sujeito que ainda não é. Quando esse sujeito é marcado, volta cindido ($).
“Então, o sujeito que não existe sobe e se encontra com a mãe. A mãe, de algum modo, especularmente, retorna e permite a imagem do Eu. Quando ela marca com o significante, o sujeito se cinde. E aqui o sujeito se cinde da mãe e se cinde de si mesmo. Quando Roberto é marcado pelo significante Roberto, se separa da mãe Roberta e se separa também de si mesmo, a tal ponto de poder se perguntar se ele é ou não Roberto. A tal ponto que ele, ao mesmo tempo, é e não é Roberto.” – nos ensina Daniel explicando o primeiro movimento do grafo.
O lado esquerdo do grafo mostra que a mãe não é proprietária de todos os significantes. Ela tem alguns significantes, mas há também outros significantes. “Aqui é interessante porque o bebê, a criança, de algum modo, se comunica com a mãe, tenta falar com ela. Ela não entende e o que retorna é um lugar de significantes que não são apenas os da mãe.” – nos diz Daniel.
Assim:
a) O sujeito volta cindido; ($)
b) Se constitui o Eu; (m)
c) Se constitui a imagem do Eu; i(a)
d) Aparecem os significantes do Grande Outro, que não são apenas os significantes da mãe, são outros; s(A)
e) A partir de então ele faz sua própria bateria de significantes e já cindido e com seus significantes ele tem dois caminhos: o da demanda e o do desejo.
O da demanda vai se encontrar com o significante da falta do grande Outro. O grande Outro que demanda a partir do significante da sua falta. Então, o caminha da demanda se depara com a pergunta:
“O que ele quer de mim?”. “O que meu pai quer de mim? O que minha mãe quer de mim? O que Deus quer de mim? O que a pátria quer de mim? O que a República quer de mim? O que o ideal quer de mim? O que minha noiva, meu noivo quer de mim? O que meu filho quer de mim? O que o outro quer de mim?” – explica Daniel, desmembrando a pergunta do grafo “Que vuoi?” do grafo, e completa: “Eu me coloco como objeto que apanha. O outro me quer como sacrificado. Eu me coloco como objeto de sacrifício. O outro me quer para amar. Eu me coloco como objeto de amor do outro. Então, a partir daí, eu faço um movimento e chego, em tese, a ser o ideal do outro.”
Então:
a) O sujeito sai e se encontra com a mãe;
b) Se constitui o Eu;
c) O sujeito se cinde e aparece a imagem do eu;
d) O sujeito se encontra com os significantes do Outro, que não são apenas os da mãe;
e) Parte para o caminho da demanda e do desejo;
f) No caminho da demanda, se depara com a pergunta do grande Outro: O que o Outro quer de mim?
g) A partir de então ele tenta se colocar no ideal do outro.
“Esse, diríamos, é o caminho seguro para quem quer não correr risco. Risco de quê? O risco do caminho do desejo.” – nos diz Daniel salientando que o caminho do desejo é aquele que tenta sustentar aquilo que aparece, já na própria cisão, e que não é outra coisa que a falta. O caminho do desejo é o que sustenta a falta dentro de uma construção de uma estrutura fantasmática.
“Esse $◊A não é outra coisa que o matema da fantasia. O sujeito do desejo, o sujeito da falta, em relação com o objeto a, causa de desejo. Esse é o matema da fantasia. A fantasia, em Lacan, é a articulação simbólica e imaginária que tenta contornar, dar conta, articular a relação com o real.” – explica Daniel salientando que essa estrutura fantasmática também é a estrutura da angústia e, por consequência, do desejo. Não há desejo nem angústia, a rigor, se não há estrutura fantasmática. Então, por isso, a relação é direta com o desejo. Então, aqui temos o grafo.
O grafo passa, no segundo andar, para a noção de demanda, cujo matema é $ ◊D (le-se, sujeito barrado punção D) “Aqui, esse significante A barrado é o significante da falta no outro, do outro barrado, que, de algum modo, é de onde eu entendo que vem a demanda. Minha mãe quer que eu seja arquiteto. Meu pai quer que eu seja dançarino de dança clássica. Então, eu me coloco como objeto da demanda do outro e tento construir o ideal do outro. Ou, sustento a minha cisão, sustento a minha falta e, portanto, sustento o desejo e, de algum modo, articulo na relação simbólica e imaginária o lugar onde algo assim como um objeto a causa do desejo pode vir a acenar como objeto em relação com aquela falta.” – explica Daniel.
CONCLUSÃO
O episódio termina com Daniel salientando que este é o ponto inicial do grafo do desejo. “Se vocês se entenderam até aqui, observem o grafo e vejam em que lugar do grafo vocês se encontram na relação com a mãe, na descoberta dos significantes para além dos significantes da mãe, em relação com a demanda do outro ou em relação com o desejo que constrói, que constitui articulação simbólica e imaginária.” – nos diz.
Gostaria de assistir o episódio completo de nosso podcast sobre o tema? Confira o vídeo abaixo:
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Transcrição e adaptação:
Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.
Autor do episódio: Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.
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