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O INCONSCIENTE DE FREUD para psicanálise


“ O inconsciente de Freud não é de modo algum o inconsciente romântico da criação imaginante. Não é o lugar das divindades da noite.” – Jaques Lacan. No episódio #90, professor Daniel Omar Perez nos apresentou algumas questões sobre o inconsciente. Neste episódio, essas questões são aprofundadas.


“O episódio de hoje é sobre o inconsciente freudiano e o nosso.” – diz ele logo no início do episódio, fazendo uma referência à lição do Seminário 11 de Jacques Lacan, que levou este título em sua publicação oficial e onde o psicanalista diz que “o inconsciente freudiano nada tem a ver com as formas ditas do inconsciente que o precederam.”


No seu livro O Inconsciente – Onde mora o desejo, o professor Daniel Omar Perez busca alguns antecedentes da noção de inconsciente.


Existe toda uma bibliografia acerca da noção de inconsciente, que vai desde Plotino, passa pela época medieval e entra na época chamada moderna. O próprio Freud escreveu, em 1915, um texto chamado O Inconsciente, que serve de base para toda sua teoria.


Conceito este considerado fundamental da psicanálise. No próprio canal do ESPECast e na plataforma existem vários vídeos e percursos que tratam da noção de inconsciente. O que mais há a dizer sobre ele? Vamos descobrir com Daniel Omar Perez em mais este episódio #114 do ESPECast, que você pode assistir no You Tube ou ouvir no Spotify.


 

“ O inconsciente de Freud não é de modo algum o inconsciente romântico da criação imaginante. Não é o lugar das divindades da noite.” – Jaques Lacan.


A noção de inconsciente. Muitas vezes ela se refere a algo como “uma zona obscura, algo assim como trevas”, como nos diz professor Daniel. Existiria então o consciente, que seria o claro, o transparente, o visível, e o inconsciente, que seria esse algo obscuro, misterioso, da ordem do incompreensível. É nessa dicotomia consciente x não consciente ou consciente e inconsciente que a tradição europeia medieval, a moderna e até a própria época de Freud, de algum modo articula essa noção de inconsciente.


Freud faz do inconsciente uma hipótese, uma invenção, uma descoberta.  Essa hipótese, por sua vez, passa a  sustentar um dispositivo – conceitual e clínico – capaz de acolher os sintomas histéricos.



O texto metapsicológico de 1915

Freud faz menção à noção de inconsciente desde seus primeiros textos.


Em 1915, em sua coleção de textos chamada de metapsicológica, ele escreve sobre a sua noção de inconsciente em um texto muito bem organizado onde pode-se ver que há uma justificativa do inconsciente. “Freud sabia fazer textos bem ordenados” – nos diz Daniel apontando que neste podemos localizar a pluralidade de sentidos do inconsciente e também que há um ponto de vista topológico no mesmo.


“É interessante: há uma topologia freudiana. E isso é muito importante na hora de estudarmos a psicanálise de Freud e a psicanalise de Lacan. Lacan é conhecido por seus recursos formais em relação a linguística, a lógica, a matemática, a geometria projetiva e a topologia. Então, existe uma topologia que ele usa para dar conta da posição do sujeito, das formas do sujeito, e existe também uma topologia freudiana. Isso não é uma interpretação lacaniana de Freud, isso é o próprio texto de Freud falando da psicanálise do ponto de vista tópico, do ponto de vista topológico.” -   nos diz Daniel, recomendando que se leia o texto de 1915 com bastante tranquilidade, pois nele se pode ver, minuciosamente, o que Freud entende por inconsciente.

Onde aparece o inconsciente?

Vamos recapitular alguns pontos, que podem ser detalhados em outros episódios do ESPECast e na plataforma.


Na sua primeira tópica, Freud apresenta um aparelho psíquico constituído pelo sistema inconsciente (Ics), o sistema pré-consciente (Pcs) e o sistema consciente (Cs). O sistema inconsciente possui um mecanismo de funcionamento. Esse mecanismo se articula a partir do processo de repressão – ou recalque – e se manifesta nos lapsos, nos equívocos, na troca de nomes, na psicopatologia da vida cotidiana, nas fantasias, nos sonhos. 


Jacques Lacan, na segunda aula de seu “Seminário 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise”, proferido em 1964, depois de sua expulsão – ou excomunhão como ele mesmo coloca – da IPA, Associação Internacional de Psicanálise, e que acaba por se tornar o seminário inaugural de seu próprio ensino, estabelece uma clara diferença entre o que Freud entende como inconsciente e o que ele entende como tal. De fato, na transcrição e estabelecimento do texto do seminário em livro, Jacques- Alain Miller intitula a aula do dia 22 de janeiro de 1964 de O Inconsciente Freudiano e o Nosso, apontando que há então uma diferença da noção de inconsciente que aparece em Freud da que aparece no ensino de Jacques Lacan, que ele classifica como “nosso”. 


“Lembremos que se trata de um seminário, isto não é um livro escrito por Lacan” – adverte Daniel – “é a transcrição de um seminário. Portanto, imaginem o doutor Lacan ministrando um seminário, diante de um público.” – e segue citando a seguinte passagem dessa aula:


“A maioria dessa assembleia tem noção de que já adiantei isso – o inconsciente é estruturado como uma linguagem.” – Jacques Lacan, 22/01/1964


O inconsciente estruturado como uma linguagem. Isso é fundamental. Há então o inconsciente como sistema em Freud e como estrutura de linguagem em Lacan. 


“O que significaria isso do inconsciente estruturado como uma linguagem?” – é a pergunta que nos faz professor Daniel. 


Prosseguindo com sua argumentação, Lacan cita o livro Pensamento Selvagem, de Claude Lévi-Strauss. 


Claude Lévi -Strauss foi um antropólogo que trabalhou durante muitos anos no Brasil, em contato com as comunidades originárias daqui, coletando material para seu trabalho, assim como já havia feito em outras comunidades originárias na América do Norte e na Oceania. Em São Paulo, mais especificamente na USP, começou a esboçar o que se chamou de antropologia estrutural (ou estruturalismo antropológico, ou a introdução das estruturas) para entender as relações em antropologia. 


“Então, é um momento muito importante,” – salienta Daniel. “porque já a linguística tinha introduzido a estrutura para poder entender o funcionamento da linguagem. Agora é a hora da antropologia, através de Claude Lévi -Strauss, introduzir a estrutura para dar conta dos relatos, por exemplo, das comunidades originárias, que de algum modo organizam o sistema social de uma comunidade originária.”


Nessa linha – primeiro a linguística, depois a etnologia ou antropologia – a psicanálise em terceiro lugar, vai introduzir as estruturas, ou a estrutura, para poder dar conta daquilo que diz respeito ao inconsciente e aos sintomas da neurose. 


Prossigamos com Lacan: 


“Antes de qualquer experiência, antes de qualquer dedução individual, antes mesmo que se inscrevam as experiências coletivas que só são relacionáveis com as necessidades sociais, algo organiza esse campo, nele inscrevendo as linhas de forças iniciais.” 


Este algo que organiza o campo são as estruturas. Estruturas de parentesco. Estruturas econômicas. Estruturas sociais. Estruturas Políticas. De algum modo, todas elas organizam o campo a partir do qual é possível estabelecermos relações interpessoais.


“Para podermos “nos comunicar”, seja lá o que isso significa, falando, algo organiza a linguagem na forma de uma estrutura. E é aí que aparece, então, o inconsciente.”  - pontua Daniel comentando a passagem de Lacan


O inconsciente aparece na forma de uma hiância

O inconsciente, para Lacan, vai aparecer na forma de uma hiância.


O que seria isso?


Como vimos, o inconsciente freudiano aparece nos lapsos, nos chistes, nos equívocos, nas trocas de nome, etc. Para Lacan, o inconsciente vai aparecer como falta. Vai aparecer na fenda, na ruptura, no traço.


Diz Lacan, citado por Daniel no episódio:


“A ruptura, a fenda, o traço da abertura faz surgir a ausência – como o grito não se perfila sobre fundo de silêncio, mas ao contrário, o faz surgir como silêncio.” 


Em Freud o inconsciente se institui na forma de um sistema, dentro de uma tópica. Em Lacan, este inconsciente vai ser estruturado como uma linguagem e sua forma de se manifestar é a partir da ruptura, do corte. Corte este que vai permitir fazer surgir aquilo que se coloca na forma de ausência.



 

CONCLUSÃo

“Para poder saber um pouco mais sobre o inconsciente freudiano e o inconsciente lacaniano, eu sugiro, obviamente, ir ao texto de Freud de 1915 - “O Inconsciente” - sugiro ir ao texto de Jacques Lacan no “Seminário 11, Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise”, sugiro ler o livro que eu escrevi, “O Inconsciente, Onde Mora o Desejo”, e também sugiro que entrem na plataforma ESPECast, onde vocês vão encontrar várias abordagens do inconsciente, tanto em Freud quanto em Lacan, em relação ao próprio conceito ou em relação a casos clínicos nos diferentes percursos.” – Daniel Omar Perez.


Até nosso próximo texto!


Gostaria de assistir o episódio completo de nosso podcast sobre o tema? Confira o vídeo abaixo:





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Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autor do episódio: Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.



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