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Mitos e Psicanálise: Mito da Medusa e Angústia de Castração

  • Foto do escritor: ESPEcast
    ESPEcast
  • 4 de out. de 2024
  • 15 min de leitura

Artigo Três da série Mitos e Psicanálise, baseado no percurso de mesmo nome já disponível na plataforma ESPEcast


Na plataforma ESPECast, está disponível o percurso “Mitos e Psicanálise”, ministrado pela Dra. Elci Patti, juntamente com a Dra. Ane Patti. Esse percurso apresenta a articulação de alguns dos contos e mitos utilizados por Freud e Lacan com a práxis psicanalítica.


Os mitos, que estão presentes nas civilizações há milênios, são construções simbólicas importantes no processo civilizatório da humanidade, e eram repassados na tradição oral, à princípio, e, posteriormente, escritos em cada época e cultura com algumas modificações, por conterem elementos fundamentais que contribuem na compreensão sobre a estruturação psíquica do ser humano e seus laços com o social. 


De acordo com os estudos da Psicanálise alguns contos e mitos, revelam uma parte da realidade psíquica universal, que é singularizada no enredo subjetivo de cada sujeito. Por isto, quando uma criança lê ou escuta a narrativa dos contos de fadas e representa-os no “faz de conta”, ela se inclui no campo imaginário, real e simbólico linguageiro, abrindo assim um espaço para falar de si, atualizando uma realidade psíquica inconsciente através dos discursos dos personagens por ela representados. 


Em “Escritores criativos e devaneios” (1908), Freud nos apresenta que o brincar e o fantasiar são facilitadores da constituição subjetiva do Sujeito falante e desejante. Para Lacan, “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” e para ele, esta realidade psíquica inconsciente pode ser atualizada a qualquer momento pela linguagem falada ou corporal. 


Para facilitar os estudos sobre a psique, Freud, desde o início de sua obra, utilizou alguns Mitos para facilitar os estudos da Psicanálise. Lacan, posteriormente, fez uma revisão destes estudos acrescentando alguns outros e dedicando uma profunda reflexão sobre  o mito individual como estrutura subjetiva fundamental.


A seguir, vamos ler sobre o Mito da Medusa, como narrado no percurso pela Dra. Anne Patti.


Boa leitura!


 


Introdução

“Esse percurso sobre a medusa nós vamos começar tal qual Freud fez: de trás pra frente.” – nos convida a Dra. Anne. 

  Freud  retoma o mito da Medusa especialmente pelo final, quando nós temos como enfoque sua cabeça decapitada ilustrada na arte de várias formas. “Do final ao início é também uma forma metafórica de dizer do percurso do sujeito na clínica, na sua própria análise, porque aquele sujeito que demanda uma análise, ele chega com uma queixa, ele chega ali também com o seu sintoma já feito e a partir desse panorama inicial é que o analista vai poder retroagir num percurso discursivo e retomar as bases do que foi construído e que culminou então com essa pontinha do iceberg que a gente vai chamar de sintoma.” – diz Ane.



O Mito

A Medusa é um ser monstruoso da mitologia grega. Uma das três irmãs, conhecidas como as  Górgonas, as outras são Sthenno e Euryale.   Existem versões que trazem que só havia uma górgona, mas a versão trabalhada no percurso sustenta a que eram três. A Medusa possuía forma monstruosa, tinha serpentes na cabeça no lugar dos cabelos e era conhecida por transformar em pedra todos aqueles que olhavam diretamente para o seu rosto.


Existem versões que contam que o que petrificava os sujeito não era olhar a medusa, mas sim o olhar dela para este que a olhava. O que é importante frisar, em qualquer uma dessas versões, é que, no mito da Medusa ocorre tanto uma transgressão como uma maldição a partir dessa transgressão.  


E o que acontece? Na Grécia Antiga houve uma batalha para decidir qual seria a capital. Essa guerra foi travada por Poseidon e Atena, irmãos.  Atena vence, o que desperta a fúria de seu irmão. 


Há então relatos que contam que, nesta fúria, Posidon decide abusar sexualmente – ou estuprar, utilizando um significante mais direto -  de uma das devotas mais fieis de Atenas, Medusa, dentro do templo.  Há versões que dizem que Poseidon simplesmente não se conteve diante da beleza da Medusa e, por isso, teve relações sexuais com ela dentro do tempo. Nesta segunda versão, o significante “estupro” deixa de ser utilizado.


Existe então a punição. Atena transforma seu cabelo em serpentes e seu rosto em um semblante horrível, capaz de, portanto, transformar em pedra todos que encontrarem seus olhos. Juntamente com as outras Górgonas, ela é enviada para o fim do mundo. Fim de mundo este que pode ser entendido metaforicamente como os limites da consciência, ou seja, como essa fronteira entre o que se tem conhecimento e o inconsciente, seu oposto.


Neste lugar, Medusa vira objeto de perseguição de Perseu. Para conquistar seu lugar no mundo, sua saga de heroi, Perseu tem como uma das provas capturar a Medusa e trazer sua cabeça para o reino. 

Diz a Dra. Ane:


“Essa saga do heroi é muito rica em simbolismo, que representa esse processo de sair da indiferenciação coletiva para uma singularidade. A medusa perpassa por isso na sua história e tem um final trágico - ela é uma representante de uma tragédia grega - enquanto que o Perseu, essa figura do herói, na sua saga, vai ser retratado como uma figura de glorificação do ser humano.”


Munido do seu escudo, da sua espada, das asas que Hermes lhe havia dado, Perseu, encontra Medusa e, ao invés de olhá-la usa o escudo para refletir a imagem dela e, assim, quando ela se petrifica ao olhar o próprio reflexo, ele consegue decapitá-la. Quando o faz, saem do corpo da Medusa duas figuras muito simbólicas: o cavalo alado Pégasus e Crisaor, um gigante com uma espada de ouro que, posteriormente, vai gerar outros monstros da mitologia grega.


Desse encontro então de Perseu com a Medusa, dá-se uma proliferação de mitos gregos que vão relatar, de forma bastante maniqueista, figurada e caricata os encontros entre o bem e o mal, o belo e o feio, o fascinado e o fascinante, trazendo, ao mesmo tempo, aquilo que atrai e que ao mesmo tempo causa um terror. “Aí esse olhar da Medusa, mesmo com essa cabeça decapitada, esse olhar é um olhar apotropaico.” – diz Dra. Ane, se referindo ao termo utilizado por Freud em um dos textos onde cita a Medusa e explica que é um olhar que causa o afastamento do inimigo. 



O Olhar

O que é que horroriza o olhar do humano? 

Coloca a Dra. Ane que é tudo que representa a castração, que remete ao Real, ao vazio, ao sem nome, àquilo que não damos conta de elaborar, de simbolizar. Tudo isso ficaria então associado ao campo do terror, ao campo daquilo que horroriza, dizendo diretamente de um corpo pulsional - representado pelas serpentes da cabeça da Medusa, esses animais arcaicos, venenosos, indomáveis.  A cabeça da Medusa é dada de presente ao rei Polidetes. O que é um presente muito valioso porque ela causa justamente esse horror em seus inimigos.



A ordem internária

“Para a gente transcender essa leitura mais imaginária do mito é importante relembrarmos que dentro da psique humana - a partir da leitura lacaniana - vamos avaliar como é que está se dando essa composição das ordens, dos registros: real, imaginário e simbólico. Quando a gente pensa na ordem unária, nós remetemos por associação ao isso, ao inconsciente, ao real. Quando nós, então, do real, vamos imaginar aqui o outro nó, o imaginário, é a ordem binária. A ordem binária é a ordem ligada ao eu, à consciência, ao imaginário por excelência. E o simbólico, o terceiro nó, que é essa ordem terciária, vai estar ligada, então, também à consciência, eu e supereu, e aponta para o campo simbólico das trocas.” – expõe a Dra. Anne, introduzindo a questão da ordem internária das línguas.


Na constituição das chamadas línguas naturais encontramos três elementos básicos: o eu, o tu e o ele. O eu é aquele que fala, o tu é o ouvinte e o ele é o de quem – ou do que -  se fala. Esse terceiro elemento aponta para a simbolização que está no lugar de uma ausência, de uma falta, que também é do sujeito que fala. Essa composição ternária das línguas naturais compõe o liame social mínimo de qualquer língua.


Na ordem unária, nós temos o campo da conjunção aditiva e inclusiva. Este é o campo do inconsciente, tal como descrito por Freud. Neste campo tudo é possível. Não há contradição, não há diferenças entre verdadeiro e falso, é um campo que conserva o termo que ele mesmo exclui. É um campo auto referencial que rompe nas formações do inconsciente que aparecem no consciente “tal qual a formação mitológica desses mitos que estamos trabalhando” – nas palavras da Dra. Ane. 


Na formação do inconsciente estão os atos falhos, os chistes, os sonhos, os sintomas, os esquecimentos. “Essas formações vão romper na linguagem como enunciados desse unário e não são organizados como alteridade e como relação de causa e efeito. Então, elas coexistem. Então, quando a gente tem um sonho e vai falar desse sonho, já não é mais o sonho. Estamos trabalhando o conteúdo manifesto daquilo que a nossa consciência permitiu aparecer. O levantamento dos véus do recalque. É um material totalmente deturpado. Não é mais aquilo que foi sonhado, não é mais da ordem unária, apesar de sua fonte ser, sim, dessa ordem.”  - explica a Dra. Ane acrescentando que agora se trata de uma ordem binária.


Nesta ordem binária existe o campo da conjunção alternativa exclusiva, ou seja,  ou isso ou aquilo. Este é o reino por excelência de muita materialidade científica e dos próprios contos e mitos quando interpretados por autores que fazem análises mais conteudistas do que discursivas. 


No campo do imaginário, temos o evitamento do caos, do excesso, da desordem. A falta de causalidade. A evitação da contradição e do equívoco. Temos presente a lógica do “ser ou não ser” – ou é uma coisa ou é outra coisa. Não temos nem coexistência nem alternância. É o campo das ciências.



A linguagem

Para falar da linguagem, dentro do campo psicanalítico, a Dra. Ane nos convida a retomar o fio de Ferdinand de Saussure, linguista suíço considerado o pai da linguística moderna como ciência. 


Em Saussure, a linguagem é a junção da língua mais a fala. A língua sendo da ordem do campo social, ou seja, da produção do código e suas nuances, e a fala sendo do campo do individual.


“Cada bebê que nasce tem que se haver com a fala, ele vai ter que fazer uma apreensão desse código que é social para poder nomear. Os estudos discursivos dos anos 60 para cá -  especialmente com Michel Pêcheux e sua análise de discurso, vai valorizar muito um terceiro elemento, que não é o Saussure que vem conceituar, mas que compõe essa conceituação de linguagem que é o silêncio. Então linguagem é a composição de língua mais fala mais silêncio. É o encontro do eu com o outro. A singularidade com o social. Então o campo simbólico é composto de símbolos. E os símbolos são representantes de algo que está ausente, aquela terceira pessoa.” – diz Dra. Ane.


Os símbolos constituem sinais convencionados, onde nós podemos construir todo um raciocínio a partir de algo que está ausente, fazer laço. Então o ser da linguagem é o não ser dos objetos. Há uma troca feita aí quando a gente vai para essa aliança social, o que vai produzir uma eternização do desejo.


Substituímos a coisa a ser representada por um símbolo. Então, como nunca tem um “colamento”, um bom encontro, isso vai sempre produzir um resíduo, a citar: o desejo, uma falta. É sempre um “encontro faltoso” entre significantes e significados.


Assim, representar é tornar possível a comunicação e a troca entre os humanos, justamente por essa impossibilidade de fazer um, de fazer esse bom encontro. No equívoco vamos produzindo discursos, ideias e uma interlocução que vai modificando a civilização. E com Saussure, dá-se uma separação radical entre língua e natureza.


Para Saussure, a língua é o mais importante dos sistemas de signos, mesmo sendo somente uma parte do sistema semiológico. Em Freud, em 1891, no texto Estudos sobre as Afasias, já existe uma primeira articulação sobre os significantes, 20 anos antes dos estudos de Saussure. “Então, ambos apontavam ali para elementos muito importantes para a gente compreender, hoje, o que seria uma leitura estrutural de um mito, ou a leitura estrutural de uma clínica, que é a de orientação lacaniana, por exemplo. ”  -  pontua a Dra. Anne, acrescentando que não se trata de uma desqualificação das diferenças, das diversidades de clínicas, mas que esta pontuação só vale para situar o lugar do qual ela fala e aponta a leitura dos mitos.


As leituras dos mitos

Quando pensamos numa leitura mais imaginária de um mito, de uma lenda, de um conto, estamos falando de uma leitura na qual o autor vai fazendo uma análise de conteúdo, colocando uma porção de sua própria subjetividade na produção e na interpretação dos símbolos colocados na narrativa mítica. 


Na leitura estrutural, se prioriza os elementos estruturais para se ler o símbolo. Nas palavras da Dra. Ane, “O que simboliza ali cada personagem, cada característica, cada encontro, o que se dá em associação, em conjunção, em disjunção, aqueles elementos que fazem barra, o que eles estão unindo e ao mesmo tempo o que eles estão separando. ”  Ela associa a leitura imaginária com a leitura que Freud fez dos mitos. “A forma como ele vai discorrendo sobre a “Interpretação dos Sonhos”, sobre a forma como ele interpreta a fala dos seus pacientes, como eram feitas essas construções - e que vão ressoar até na nossa contemporaneidade numa forma específica de fazer clínica dentro de um determinado campo de produção discursiva, por exemplo, que é da psicanálise inglesa - é uma forma de trabalhar um pouco diferente, ou bastante diferente, da clínica francesa ou de orientação lacaniana, seja na clínica com crianças, seja na clínica com adultos. O que se escuta, se situa de uma forma muito diferente. Então a forma de ler o mito a partir do Freud é um pouco diferente da leitura que a gente faz a partir do Lacan. ”  - explica.



A Cabeça de Medusa – Freud 1922

Freud faz três menções diretas sobre a Medusa em sua obra: no texto de 1922, publicado postumamente em 1940, A Cabeça da Medusa; em Organização Genital Infantil, de 1923 e na Conferencia 29 – Revisão da Teoria dos Sonhos das Novas Conferências Introdutórias de 1933.


No texto de 1922, Freud vai retomar a questão da diferença anatômica entre os sexos como causa de terror. A cabeça da Medusa e seu aspecto – com horrendas serpentes no lugar de seus cabelos – seria derivação de um complexo de castração, mitigando o horror por substituírem o pênis, cuja ausência seria a causa do horror.


A petrificação, portanto, tornaria também o espectador rígido. Ou seja, essa questão fálica ocorreria para os dois lados – tanto a Medusa, representando uma mulher fálica, castradora, que petrificaria o outro, quanto a esse outro que está na relação com ela, nesse campo do seu olhar, que se torna também rígido, e ele associa isso ao falo, transformando o afeto do medo em alguém inabordável, a partir do momento em que se usa a cabeça da Medusa como um amuleto de proteção. 


Freud então associa a decapitação da Medusa à castração. 


 Toda ameaça e perigo ganham poder pelo medo de aniquilamento de um eu, que se encaixando na ameaça e na angústia de castração, finalmente revivem o primeiro de todos os traumas, que é o de nascimento e morte. Assim, quando decapitada e morta, o horror da castração amplia-se ainda mais. 


“Se os cabelos da Medusa são muitas vezes retratados nas obras de arte como serpentes, estas procedem também do complexo de castração, e, curiosamente, por mais terríveis que sejam elas próprias, contribuem de fato para mitigar o horror, pois substituem o pênis, cuja falta é a causa do horror. — É a confirmação da regra técnica segundo a qual a multiplicação do pênis significa castração.

A visão da cabeça da Medusa torna rígido de terror, transforma o espectador em pedra. A mesma origem no complexo de castração e a mesma mudança do afeto! Pois o tornar-se rígido significa a ereção, ou seja, o consolo do espectador na situação original. Ele ainda tem um pênis, assegura-se disso com a rigidez.” 

(FREUD, [1940/1922], 2011 p.327)


Agora mesmo é que a visão da cabeça da medusa torna o espectador rígido, de terror, e transforma-o em pedra. E as serpentes venenosas, mais uma duplicação ou multiplicação da imagem do complexo de castração. Mas, como para o inconsciente os opostos são mesmo, por assustadoras que possam ser em si, as serpentes servem como mitigação do horror por substituírem o pênis, cuja ausência seria a causa de horror.


Salienta a Dra. Ane o entendimento que se deve ter do termo “pênis” como símbolo fálico, representante daquilo que está ausente. “O pênis, na época de Freud, era uma representação de todo o patriarcado, desse mundo masculino, onde o que há suplantava aquilo que era ausência, aquilo que não há.” – pontua. – “para o Freud, essa primeira investigação da criança passa primeiro pelo corpo e, portanto, por essa percepção da diferença anatômica entre os sexos. Então, para chegar até essa construção de que o cabelo da medusa é fálico, a gente tem que relembrar todo esse percurso que há por trás de aproximadamente 20 anos de construção de obra. É importante relembrar.”


Freud, seguindo o texto mencionado, relembra que a deusa Atena era representada com a cabeça de Medusa esculpida sobre a couraça em seu peito – como um amuleto. Este era um símbolo de como punira quem desonrara seu templo e de como castigaria quem atentasse contra sua virgindade.


Atenas, a deusa virgem, leva este símbolo do terror em sua vestimenta. Com razão, pois assim se torna uma mulher inabordavel, que rechaça todo desejo sexual. Leva à mostra o aterrador genital da mãe. Para os gregos, em geral fortemente homossexuais, não podia faltar a representação da mulher que apavora com sua castração. 

(FREUD, [1940/1922], 2011 p.327)

Freud não discorre mais sobre o assunto, finalizando o texto, mas neste ponto ele conecta a imagem da cabeça da Medusa ao Complexo de Édipo.



Conferência 29

Na conferência 29 de 1933, que é uma revisão da teoria dos sonhos, Freud vai fazer uma referência direta da cabeça de Medusa com o Complexo de Édipo. 


“Segundo Abraham (1922), a aranha, no sonho, é um símbolo da mãe; mas da mãe fálica, da qual se tem medo, de forma que o temor da aranha exprime o pavor do incesto com a mãe e o horror dos genitais femininos. Talvez vocês saibam que uma criação mitológica, a cabeça da Medusa, refere-se ao mesmo tema do pavor da castração. ” 

(FREUD, [1933], 2010 p.149)


Fazendo uma menção ao seu discípulo Karl Abrahan, Freud,  vai articular, juntamente com ele – e também com outros como Sandor Ferenczi – a questão desses  temores ligados ao medo da mulher propriamente dita a essa mãe introjetada como uma mãe proibida pelo Complexo de Édipo, que ganha então várias figuras de horror para representar essa interdição. 


“Então percebem como é uma leitura ligada ao imaginário, ela vai fechando, ela vai construindo e vai fechando” – diz Dra. Ane.  “Numa leitura estrutural, nós vamos destacar aqueles elementos que vão servir de andaime para que o sujeito deposite os seus elementos, imaginários, simbólicos e reais - aquilo que não puder ser nominado - para travestir essa própria mitologia pessoal.”  Ao trabalhar qualquer mito, ainda segundo ela, é necessário que descolamos um pouco essa roupagem que nos vem através das narrativas que nos chegam.


Nesse âmbito então, pensar um Édipo como o Édipo de Freud não seria mais cabível na nossa contemporaneidade, a não ser que estejamos fazendo uma leitura estrutural. . Quem vai representar essa figura feminina, masculina, a função materna, paterna, quem vai representar essas pulsões arcaicas para a criança, ocupando um lugar de representante da lei, de introdução da lei, ou daquele que vai ocupar um lugar de maior receptividade, de escuta dessa criança.


Pensemos a Medusa numa leitura estrutural. O que se apresenta ali diante dessa cabeça com cobras? Vamos encontrar o significante serpente, cobra, cabeça decapitada, representando, portanto, algo que estaria ali ausente. 


Concluímos com a Dra. Ane:


“Nós vemos amalgamados ali, junto dessa presença ausência, também um aspecto, por exemplo, da beleza transformada em monstruosidade, de/monstrada, tornar monstro, em um campo visual e imaginário também. E ambas podem paralisar, tanto a beleza quanto esse monstro. Então, a cabeça de Medusa era tomada como um símbolo daquilo que petrifica. O imaginário vai fazer cola, e o simbólico é aquilo que descola, abre e coloca em movimento. ”


O sujeito então se petrifica a cada cola imaginária e se coloca em movimento entre significantes na produção da cadeia significante – uma cadeia discursiva onde os sentidos vão sendo modificados. O analista deve, portanto, estar com essa escuta no sujeito. Este sujeito que está e se move entre significantes, promovendo uma escuta, em uma clínica de orientação lacaniana, que possa viabilizar um corte imaginário.


“Pensar o que, no campo da singularidade de cada um, pode emergir. E tem algo ali dessa verdade singular que se encontra nessa linha do tempo com essas roupagens míticas, ou das lendas, ou dos contos de fadas.” – nos diz a Dra. Ane, nos convidando a fazer novas leituras desses textos.


“Medusas ressignificadas, relaboradas. E fica, então, o convite ao movimento e à possibilidade de produção de novas histórias a partir dessas mitologias que nós estamos trazendo. E propiciar a criatividade como saída aquilo que faz um furo nessas verdades pétreas, que às vezes são trazidas pela tradição de uma forma a tentar não descolar significantes e significados.”  - conclui.


 

Quer saber mais? Acesse o percurso “Mitos e Psicanálise”, na plataforma ESPECast, e confira este e outros episódios com as Dras. Ane e Elci Patti.


Até nosso próximo artigo. 


 

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Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autoras do episódio:

Ane Patti: Graduada em Psicologia pela Universidade de Ribeirão Preto (2001), com Especialização em Psicanálise pela Universidade de Franca (2003) e Mestrado e Doutorado em Ciências, área Psicologia, pela FFCLRP-USP (2009 e 2014, com apoio FAPESP). Atua na clínica psicanalítica e em diversas atividades acadêmicas. É docente do curso de Psicologia do Centro Universitário Barão de Mauá e professora convidada nos cursos de Especialização em Psicanálise da Universidade de Franca e Pós-Graduação MBA GEP do Centro Universitário Moura Lacerda.


Elci Patti: Graduada em Psicologia pela UFMG (1977), com Mestrado e Doutorado em Serviço Social pela UNESP Franca (1998 e 2004). Foi docente e supervisora no curso de Psicologia até junho de 2018. Coordenou e lecionou nos cursos de Psicanálise e Pós-Graduação em Psicanálise com Criança na Universidade de Franca até 2020 e 2022, respectivamente. Atua como psicanalista em consultório particular e consultora educacional em escolas de Franca e região.





 
 
 

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