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O QUE É O NARCISISMO?

Atualizado: 7 de jun.


Quantos narcisistas temos ao nosso redor?

Em épocas de transtornos, distúrbios, desconfiança em relação ao outro, um termo que aparece com bastante frequência é “narcisista”. Ao final das contas, o que é o narcisismo? Quantos narcisistas temos ao nosso redor? Será que meu marido é narcisista? Será que minha namorada é narcisista? Será que meu vizinho que fica me olhando é um narcisista?


É essa a questão abordada pelo professor Daniel Omar Perez no episódio #81 do nosso podcast, disponível nas plataformas Youtube e Spotify: O que, de fato, é o narcisismo? Vamos a ele?




 

O termo “narcisista” se tornou um insulto. Geralmente, na vida cotidiana e nas redes sociais principalmente, o termo é usado em um sentido pejorativo, para se referir a algo que uma pessoa faça ou aos seus traços característicos. Na vida cotidiana, durante conversas, é possível que termos da história da ciência e da psicanálise sejam utilizados em contextos totalmente estranhos, com significados completamente distintos. Dizer que alguém é egoísta, por exemplo, se torna dizer que ela é narcisista.


O preocupante é quando se utiliza este termo para se referir a alguém com uma personalidade que tenha determinados traços impossíveis de serem mudados e que podem chegar a colocar em perigo a vida do outro.


“Me parece que é um pouco assim que é tratado o termo “narcisista” quando se fala, por exemplo, de como identificar um narcisista, ou o que fazer diante de um narcisista.” – nos diz Daniel no episódio.


  • Quantos narcisistas temos ao nosso redor?

  • Será que meu marido é narcisista?

  • Será que minha namorada é narcisista?

  • Será que meu vizinho que fica me olhando é um narcisista?

Para poder de algum modo dialogar sobre isso, Daniel nos convida a voltarmos a um texto publicado em 1914 por Sigmund Freud, Introdução ao Narcisismo, integrante do que ficou conhecido como seus textos metapsicológicos.



O QUE SÃO OS TEXTOS METAPSICOLÓGICOS?


Os textos metapsicológicos são um conjunto de textos nos quais Freud fornece os elementos de sua metapsicologia, seus elementos teóricos, buscando formalizar, de certa forma, uma sustentação teórica para as possibilidades de uma prática clínica. Cabe destacar este contexto porque ele não está falando do narcisismo isoladamente em Introdução ao Narcisismo. Ele o está trabalhando juntamente com os conceitos de repressão, com a pulsão e seus destinos e com o inconsciente, de maneira articulada.



O TEXTO "INTRODUÇÃO AO NARCISISMO"


Vamos a alguns trechos do texto, transcritos aqui da edição da Companhia das Letras, seguidos de comentários transcritos do professor Daniel.


O termo “narcisismo” vem da descrição clínica e foi escolhido por Paul Näcke, em 1899, para designar a conduta em que o indivíduo trata o próprio corpo como se esse fosse um objeto sexual, isto é, olha-o, toca nele e o acaricia com prazer sexual, até atingir plena satisfação mediante estes atos. Desenvolvido a esse ponto, o narcisismo tem o significado de uma perversão que absorveu toda a vida sexual da pessoa. (FREUD, 2010 [1914], p. 14)


Neste trecho vemos então que em 1899, ou seja, anteriormente à Freud e ao desenvolvimento fundamental da psicanálise, o psiquiatra alemão Paul Näcke, cunhou o termo “narcisismo” para se referir à conduta daquele indivíduo que usa o próprio corpo como objeto sexual para sua própria satisfação. Freud classifica então o narcisismo como uma “perversão”. Vale lembrar que para ele a perversão é um desvio da pulsão, supondo que esta precisa ter uma descarga em algum objeto de satisfação.


“Quando a pulsão, o impulso, a libido, que sai do corpo a procura de um objeto de satisfação externo e, em vez de encontrar esse objeto volta para o próprio sujeito, temos aí então um desvio da pulsão.” – nos orienta Daniel no episódio, esclarecendo este ponto importante: a pulsão não tem objeto, ou seja, não há uma pulsão pura, sempre há uma pulsão desviada. Em resumo: O desvio da pulsão é o caminho da libido do próprio corpo para o próprio corpo. É a auto satisfação: encontrar no próprio objeto a satisfação da própria libido.


Daniel prossegue na leitura de outro trecho do texto:


Chamou a atenção da pesquisa psicanalítica o fato de características isoladas da conduta narcisista serem encontradas em muitas pessoas sujeitas a outros distúrbios, como os homossexuais, (...) e por fim apareceu a conjectura de que uma alocação da libido que denominamos narcisismo poderia apresentar-se de modo bem mais intenso e reivindicar um lugar no desenvolvimento sexual regular do ser humano.


À mesma conjectura chegou-se a partir das dificuldades da psicanálise com neurótico, pois era como se tal comportamento narcísico fosse um dos limites de sua suscetibilidade à influência. Nesse sentido o narcisismo não seria uma perversão, mas o complemento libidinal do egoísmo do instinto de autoconservação, do qual justificadamente atribuímos uma porção a cada ser vivo. (FREUD, 2010 [1914], p. 14)


Imaginemos, por um momento, como a homossexualidade era tratada na Era Vitoriana. Quando a energia libidinal procurava encontrar em um parceiro, ou em uma parceira, o objeto de sua satisfação sexual, era drasticamente interrompida nesse percurso por mandatos sociais. Portanto, essa autossatisfação erótica aparecia com bastante regularidade.


Na neurose, independentemente se se trata de um sujeito que tem uma escolha de objeto homossexual ou heterossexual, o que opera também é a repressão, que faz com que a pulsão retorne sobre o próprio corpo afim de encontrar essa mesma autossatisfação. Explicando: nos casos de neurose – histérica e obsessiva – a repressão da pulsão é o motivo que leva o sujeito à análise e é também o motivo pelo qual ele se auto- satisfaz. Essa mesma autossatisfação faz, porém, com que o próprio movimento de elaboração do processo analítico não avance.

NARCISISMO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO

Nos diz Freud:


Nesse sentido o narcisismo não seria uma perversão, mas o complemento libidinal do egoísmo do instinto de autoconservação, do qual justificadamente atribuímos uma porção a cada ser vivo. (FREUD, 2010 [1914], p. 14-5)


Aqui temos a auto satisfação como um impulso egoísta, e é preciso destacar claramente que egoísta, neste contexto, se refere à autopreservação, à sobrevivência. Existe aqui, portanto, a ideia de um narcisismo primário.


Prossigamos:


Um motivo premente para nos ocuparmos com a ideia de um narcisismo primário e normal apareceu quando se fez a tentativa de incluir o que sabemos da dementia praecox (Kraepelin) ou esquizofrenia (Bleuler) sob a hipótese da teoria da libido. Esses doentes, que eu sugeri designar como parafrênicos, mostram duas características principais: a megalomania e o abandono do interesse pelo mundo externo (pessoas e coisas.) (FREUD, 2010 [1914], p. 15)

Há então um vínculo entre o narcisismo primário e o narcisismo secundário. O que é o narcisismo primário? Justamente essa auto satisfação da pulsão no próprio corpo citada anteriormente. O narcisismo secundário se qualificaria quando, de certa maneira, essa pulsão fracassa quando tenta se satisfazer com objetos externos e retorna para o próprio corpo e aqui podemos encontrar elementos interessantes para se pensar os casos de psicose, esquizofrenia e parafrenia como um modo de voltar-se para si, ou seja, de evitar um contato com o mundo exterior.

Ponto importante: Para Freud, a neurose é um resultado de um conflito da psique consigo mesma. No caso das psicoses e das esquizofrenias, o que se tem é um conflito do sujeito com a realidade. Quando isso se dá, o sujeito corta laços com a realidade e se volta para si. Neste ponto teríamos, como nos coloca o professor Daniel, o narcisismo primário no caso deste tipo de estrutura clínica.



 


CONCLUSÃO O narcisismo é um retorno da pulsão para o próprio sujeito, ou seja, para o próprio corpo de onde ela sai. Ele é o modo de auto satisfação da própria pulsão.


Na constituição do bebê, em algum momento ele se torna para os pais, para os cuidadores, para as mães, o objeto de realização daquilo que eles não foram. Quando esse bebê não precisa de um mundo externo para se satisfazer, já que ele encontra no próprio corpo os elementos de satisfação, temos caracterizado o narcisismo primário.


Em determinado momento este bebê vai se encontrar com o mundo e com seus objetos externos, e estes podem ser frustrantes, decepcionantes enquanto lugar de satisfação. Acontece então, outra vez, um movimento de retração. Acontece, de autossatisfação. O sujeito rompe com a realidade, que lhe é frustrante, que lhe é decepcionante, onde ele não encontra suas satisfações, e encontra nele mesmo, em pedaços de seu corpo, estes elementos que lhe faltam, promovendo aí um investimento libidinal sobre o próprio corpo. Quando isso acontece, se qualifica o narcisismo secundário.


Isso, por um lado, nos ensina Daniel, pode ser associado a questões conectadas com o que Freud designou como perversão. Por outro, a comportamentos de neuróticos em análise. E também pode ser um movimento relacionado às estruturas da psicose, da esquizofrenia e da parafrenia.


Há também a possibilidade de ser conectado a um investimento libidinal feito quando o sujeito sai de uma situação de luto. Como já explicitado em outros episódios e na plataforma ESPECast, o luto é a perda de um pedaço de nós, ou seja, a perda de um objeto amado incorporado. Esse objeto pode nos abandonar ou porque vai embora, ou porque morre, e nos tornamos então marcados por essa perda, criando uma espécie de ferida narcísica que coloca em movimento um mecanismo de investimento libidinal destinado a curar essa ferida para que se possamos, então, novamente, estabelecermos vínculos com o outro


O narcisista, concluindo, não está fora. O narcisista não está apenas entre as pessoas. Está em cada um de nós. Todos nós somos narcisistas de algum modo. Por exemplo, quando saímos de um luto e precisamos nos recompor, como no exemplo dado, justamente para depois voltar a estabelecermos laços com o mundo externo.



Gostaria de assistir o episódio completo de nosso podcast sobre o tema? Confira o vídeo abaixo:





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Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autor do episódio: Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.

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