“Por um lado, nós vemos que Freud trabalha com adultos e com jovens, não recomenda a pessoas com idade avançada [...]”
Qual é a melhor idade para fazer psicanálise? Existe uma idade certa para poder entrar em um processo psicanalítico? Esta é a pergunta que o professor Daniel Omar Perez nos faz e analisa neste episódio #132 do ESPECast. Você pode assisti-lo no canal do ESPECast no You Tube.
Vamos a ele?
Existe uma idade para fazer psicanálise?
Se pesquisarmos os próprios textos de Freud, veremos que ele trabalhava com adultos. “O pequeno Hans”, um texto de um caso clínico trabalhado por Freud é na verdade, um trabalho intermediário. O pequeno Hans é o filho de um artista de Viena que participava das reuniões psicanalíticas de Freud.
As reuniões semanais psicanalíticas de Freud eram feitas por médicos psicanalistas, psicanalistas não médicos, mas também artistas, pessoas da cultura, pessoas interessadas na psicanálise e na cultura em geral. O pai do pequeno Hans era um desses que participava das reuniões sem ser um clínico, um praticante da psicanálise.
Em uma das reuniões, Freud pergunta aos participantes se alguém poderia dar informações sobre seus filhos, sobre suas filhas, sobre crianças em geral, porque ele estaria tentando trabalhar a sexualidade infantil. Esse é o ponto que faz com que o pai do pequeno Hans comece a falar do caso e a trabalhar a questão das fobias. No entanto, não há uma psicanálise de Freud com crianças propriamente ditas, há com jovens e pessoas adultas.
A Sexualidade na Etiologia das Neuroses (1898)
No texto de 1898 chamado “A Sexualidade na Etiologia das Neuroses”, Freud diz que o tratamento “fracassa com as pessoas muito idosas porque, devido ao acúmulo de material nelas, o tratamento tomaria tanto tempo que, ao terminar, elas teriam chegado a um período da vida em que já não se dá valor à saúde nervosa.”
Ou seja, já em 1898, neste texto, “Freud está nos advertindo que uma análise com uma pessoa de idade avançada seria difícil devido ao material que deveria ser analisado, devido ao tempo da duração da própria análise e devido à situação avançada da idade da própria pessoa.” – conclui Daniel salientando que o que pitoresco, hoje, seria entender o que Freud chama de idade avançada na sua época.
Sobre Psicoterapia (1905)
Daniel nos aponta também um trecho deste texto de 1905: Sobre Psicoterapia, e nos destaca o seguinte trecho:
“A idade dos pacientes desempenha um papel na escolha para tratamento psicanalítico, posto que, nas pessoas próximas ou acima dos cinquenta anos, costuma faltar, de um lado, a plasticidade dos processos anímicos de que depende a terapia – as pessoas idosas já não são educáveis –, e, por outro lado, o material a ser elaborado prolongaria indefinidamente a duração do tratamento.”
Freud, em 1905, considera que não seria recomendável a uma pessoa que está próxima dos 50 anos fazer análise.
“Por um lado, temos um Freud que não faz análise com crianças, faz análise com jovens e adultos e esses adultos têm que ser, mais ou menos, até os 40 e poucos anos, porque já 40 e tantos chegando aos 50 já seria preocupante, já seria difícil, já seria até pouco conveniente fazer um processo analítico. Freud afirma isso em 1898 e reafirma, de alguma forma, em 1905.” - comenta Daniel acrescentando que o psicanalista e psiquiatra alemão Karl Abrahan compartilha dessa ideia de Freud e concorda que seria difícil trabalhar com pacientes de idade avançada.
Portanto, a noção de análise não é aplicada por Freud em crianças pequenas, mas também não é muito conveniente aplicar a pessoas com mais de 45, 50 anos.
Hermine Hug-Hellmuth
Na época de Freud, já havia tentativas de se fazer uma psicanálise com crianças.
A primeira psicanalista de crianças foi Hermine Hug-Hellmuth que praticou a psicanálise com crianças, mas se limitando a crianças maiores de sete anos de idade.
“E aí tem um aspecto interessante.” – comenta Daniel. “Por um lado, nós vemos que Freud trabalha com adultos e com jovens, não recomenda a pessoas com idade avançada. Por outro lado, Hermine Hug-Hellmuth trabalha com crianças, mas de sete anos para cima. É assim que começa a psicanálise, mas não é assim que acaba. Mais tarde, a psicanálise com crianças começa a reduzir a idade, a tal ponto que hoje há psicanalistas que praticam a psicanálise com bebês e com suas mães. A idade para começar uma psicanálise, para alguns psicanalistas contemporâneos, é a idade de um bebê. Inclusive, a idade de um bebê nos primeiros momentos da vida em relação com a mãe”
CONCLUSÃo
Hoje então nós temos uma clínica não de crianças e adolescentes, mas de bebês, levando adiante a causa, com bebês. Se para Freud a idade de 40 a 45 anos era uma idade avançada, hoje podemos dizer que, com essa idade, é difícil até se aposentar, sendo que, no mundo, as pessoas se aposentam na faixa dos 60 aos 70 anos de idade, o que mostra que, de algum modo, a vida ativa, dentro da sociedade de produção e de consumo, prolongou o tempo de produtividade do sujeito.
“Isso faz com que, obviamente, a noção do que é uma velhice mude.” – diz Daniel.
Hoje, aquilo que Freud considerava uma pessoa “velha”, com seus 45, 50 anos, hoje não procede mais.
Há também psicanalistas que propõem uma clínica com sujeitos da terceira idade. “Há uma reflexão bastante abrangente de várias clínicas e de vários clínicos, tanto aqui no Brasil, quanto na Argentina, em outros países da América e alguma coisa na França sobre o trabalho de análise com pessoas maiores - como se denomina na Argentina – e com pessoas da terceira idade, - como se chama aqui no Brasil.” – aponta Daniel.
A melhor idade, então, não seria dos 7 aos 45 anos como, aparentemente, se estava propondo no início, mas sim quando notamos que se trata de um tratamento psíquico que, de certa forma, demanda alguma elaboração do sujeito, e isso pode ser feito não somente dentro dessa faixa etária, mas também na relação mãe-bebê ou na época da terceira idade.
“Portanto, se você quer fazer psicanálise, se está interessado em levar em frente uma questão psíquica que não encontrou sua elaboração, o problema não é a idade, mas sim as condições para chegar a um trabalho clínico.” – conclui Daniel, encerrando o episódio.
Até nosso próximo artigo!
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Transcrição e adaptação:
Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.
Autor do episódio: Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.
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