Este episódio é sobre a mentira. Será que alguém tem o direito de mentir? É possível mentir por amor ao próximo? Existe o direito de mentir?
O professor Daniel Omar Perez analisa essas questões tendo como direcionamento a filosofia de Immanuel Kant e um questionamento feito a ele por Benjamin Constant no século XVIII.
Vamos a ele? Boa leitura. E se você quiser acessar o episódio está disponível no Spotify e no YouTube!
Será que alguém tem o direito de mentir?
Por volta de 1780, Benjamin Constant e Immanuel Kant travaram uma importante discussão acerca da mentira. Existiria, perguntou Constant a Kant, o direito de mentir? Seria possível mentir por amor ao próximo? Alguém teria o direito de mentir? Esses questionamentos foram feitos por Constant a Kant, tendo em vista a lei moral kantiana que, de alguma forma, prega que é proibido mentir.
Eis a hipótese e a questão colocada por Constant a Kant “Se um amigo seu vem se esconder em sua casa porque está sendo perseguido e será morto por dois assassinos, será que você teria o direito de mentir para protege-lo?”. A resposta do filósofo alemão é não. Você não tem o direito de mentir. E isso porque pode acontecer – e esse é um caso factível – de seu amigo estar escondido debaixo da mesa e você mentir para os seus perseguidores assassinos dizendo que ele está escondido atrás da cortina, na tentativa de proteger sua vida. Acontece que você não haver percebido que, enquanto você mentia para os seus perseguidores, seu amigo realmente havia se escondido atrás da cortina. Kant diz então que, nessa situação você não salvaria com sua mentira nem a lei moral, que postula que é proibido mentir, e nem seu amigo, que havia trocado seu esconderijo sem que você percebesse.
O que Kant então está propondo é que você pode estar determinado em suas regras morais a partir de uma lei moral, mas você não tem o controle sobre as consequências dessa determinação, deste agir. Quando você, por ventura, quebra as regras, você continua sem ter o domínio sobre as consequências morais que suas ações possam vir a produzir.
“O direito de mentir, então, de acordo com Kant, não seria fatível. Não poderíamos ter o direito de mentir. Isso não significa que as pessoas não mentem e não mentem por diferentes motivos.” – Daniel Omar Perez
A questão dos costumes
Por outro lado, Kant coloca a questão dos costumes, das etiquetas.
Ele postula, por exemplo, que quando nós nos enfeitamos, quando usamos algum tipo de maquiagem, este ato seria uma forma de ocultar o que seria verdadeiro. Porém isso não seria considerado uma mentira.
Quando alguém lhe pergunta como você está e, em vez de responder como você realmente está você diz que está tudo bem – mesmo não estando – isso não seria uma mentira. Existem, portanto, normas de convívio social, regras de etiqueta, de conduta sociais nas quais um não está mentindo, e sim seguindo as regras da sociedade.
Existe um tipo de mentira que é qualificada pelo autoengano. Este autoengano – que pode ser consciente ou inconsciente, aparece tanto em Kant quanto em outros filósofos.
O direito à mentira
O direito à mentira, portanto, foi utilizado como problema durante toda a história da filosofia. Há diferentes filósofos que postularam sobre a possibilidade do direito à mentira e qual seria o princípio que determinaria quando é que temos o direito de mentir e quando não temos o mesmo. Existem alguns que entendem que você pode mentir sempre, desde que isso seja para favorecer a sua integridade física.
Na Psicanálise
Na psicanálise entende-se que não se trata de um direito à mentira. A psicanálise vai ver a mentira como um acontecimento que revelaria algo de uma verdade. Na psicanálise, a mentira revelaria a própria posição do sujeito. Não se trata de ter o direito de mentir ou ter o não direito de mentir, se trata de, no ato da mentira, aparecer o sujeito na sua verdade e na sua posição como sujeito.
Conclusão
“Mentir. Não mentir. Ter o direito de mentir. São questões que ficam em aberto a partir da pergunta de Benjamin Constant. Essa é a questão que nós temos para hoje.” – nos provoca Daniel.
Será que temos, realmente, o direito de mentir? Será que, quando mentimos, não revelamos algo de nossa própria verdade? Não revelamos algo da posição de enunciação a partir da qual nós mentimos conscientemente?
Ficam as provocações. Escrevam nos comentários.
Até nosso próximo artigo!
Assista ao episódio completo:
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Transcrição e adaptação:
Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.
Autor do episódio:
Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.
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