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Transferência: O Pilar Fundamental da Psicanálise

Sigmund Freud, criador da técnica psicanalítica, demonstrou que os sintomas dos pacientes com histeria e neurose obsessiva possuíam uma determinação inconsciente, destacando inclusive o papel do recalque na formação desses sintomas.


Freud revelou também que esses sintomas não seriam produzidos por um ato voluntário, nem por escolhas conscientes. Pelo contrário, resultariam de um conflito psíquico, no qual o desejo reprimido encontraria uma via de expressão. Uma formação de compromisso entre o desejo inconsciente e a censura do Supereu.


O sintoma seria uma tentativa de satisfação, ainda que disfarçada, do desejo reprimido.


O sujeito se vê diante de uma cultura que tanto oferta quanto inibe objetos de desejo. Essa restrição imposta pela civilização gera um conflito psíquico, onde o desejo reprimido pode emergir na forma de sintomas. Esse mal-estar é um dos motivos que levam o sujeito a buscar a psicanálise.


É nesse lugar que surge a transferência, elemento fundamental no tratamento analítico, no qual o sujeito desloca para o analista afetos e padrões adquiridos de experiências anteriores.


Seria a transferência apenas uma relação de amor? Ou seria, sobretudo, a aposta em um saber que o analisando supõe ao analista, conduzindo o tratamento?


Vamos aprofundar essas questões com a ajuda do professor Daniel Omar Perez, cujas reflexões sobre a transferência nos permitem compreender os caminhos percorridos por Freud até suas formulações, que ainda hoje fundamentam os critérios científicos da teoria psicanalítica.




Freud e os Fundamentos da Psicanálise

A psicanálise opera com um objeto específico: o inconsciente. E Freud, ao introduzir o conceito de inconsciente, desafiou a dicotomia clássica entre matéria e espírito que havia à época, deslocando o centro da subjetividade para além da consciência. 


Outro ponto central foi sua descoberta de que os objetos do desejo não são escolhidos de forma voluntária, mas determinados inconscientemente, questionando a noção de livre-arbítrio, tão valorizada na cultura ocidental, sobretudo na Europa. 


Esse conceito levou Freud a formular a teoria da transferência, demonstrando que a relação entre analista e analisando não é apenas interpessoal, mas um campo no qual se atualizam desejos e conflitos inconscientes.


"É importante que qualquer cientista ou clínico conheça as condições éticas e os aspectos epistemológicos do seu conhecimento para não se tornar um simples ‘mecânico’. 

Sigmund Freud aprendeu na universidade que um sintoma era causado por uma razão química, biológica ou por uma decisão volitiva consciente. No entanto, ele preferiu ouvir o paciente e criar um novo dispositivo que acomodasse sua experiência. 

Se Freud tivesse forçado a natureza a se adequar a uma teoria prévia, ele jamais teria conseguido inventar a psicanálise." 

Professor Daniel Perez


Diferentemente das ciências exatas, que operam por leis universais e previsíveis, a psicanálise se fundamenta na singularidade e na transformação subjetiva. Ainda assim, Freud a concebe como uma ciência da natureza, dado seu método rigoroso e suas condições de verificação clínica. 


Freud, ao se deparar com sintomas que não podiam ser explicados apenas por causas biológicas ou por decisões conscientes, precisou inventar um novo método. 


Ele não se limitou a responder a critérios filosóficos preexistentes, mas construiu um campo de investigação próprio, baseado na escuta clínica e na experiência dos pacientes.



O Papel da Transferência na Psicanálise

A transferência é um conceito fundamental na psicanálise. É por meio dela que o inconsciente do analisando pode se manifestar. 


Sem a transferência, a associação livre — regra de ouro para a psicanálise — não seria eficaz, pois a transferência cria o vínculo emocional para que o paciente se abra e se permita associar livremente os seus pensamentos e sentimentos.


Nos primeiros estudos de Freud, a transferência aparece como um deslocamento da energia libidinal para o analista. 


“Esse fenômeno pode dar a impressão de uma cura temporária, mas, na realidade, o sintoma continua presente, aguardando ser analisado e compreendido em sua totalidade”, complementa Daniel.

Na dinâmica transferencial, o analista não ocupa o lugar de um sujeito ativo, mas é reduzido a um objeto de desejo. O paciente projeta nele figuras de seus relacionamentos, reproduzindo dinâmicas afetivas anteriores. 


Essa repetição de padrões emocionais é fundamental para que o analisando se conscientize de seus conflitos e possa, finalmente, resolvê-los.


Embora haja um consenso que a transferência é fundamental, diferentes escolas dentro da psicanálise divergem quanto à interpretação e ao papel desse vínculo emocional. Por exemplo, Lacan reformula a transferência e a resistência, destacando que a resistência não está apenas do lado do paciente, mas também do analista.


“No caso Dora, Freud enfrenta uma resistência da paciente à transferência, mas Lacan vai além, sugerindo que a resistência também é do analista, que pode, inconscientemente, impedir o progresso da análise”, pontua o professor. 


Esse entendimento lança luz sobre a complexidade da relação transferencial e a necessidade do analista se posicionar de maneira ética e neutra, sem intervir excessivamente no processo.


O analista precisa estar atento a essa relação emocional, pois sua tarefa é administrar essa transferência sem invalidá-la ou permitir que ela obstrua o desenvolvimento da análise.



Transferência nas Relações Cotidianas

A transferência não ocorre apenas dentro do consultório do analista, mas também se estende para as relações cotidianas. 


Isso foi observado por Sandor Ferenczi, que ampliou a ideia de que a transferência pode se manifestar em qualquer tipo de relação interpessoal, não apenas na relação terapêutica. 


Ferenczi sugere que, embora os profissionais da saúde frequentemente ignorem a transferência, ela também pode influenciar a adesão ao tratamento. 


Pacientes que não se conectam emocionalmente com os médicos ou com o tratamento podem não apresentar progresso, e as razões para isso frequentemente não são exploradas de maneira adequada. 


“Quando se trata de tratamentos médicos, é comum que os pacientes não sigam as orientações do médico ou não respondam ao tratamento de maneira esperada. No entanto, muitas vezes, as razões para essa resistência não são analisadas em profundidade”, argumenta Daniel.


A transferência pode ser uma dessas razões, já que o paciente pode transferir sentimentos inconscientes sobre figuras importantes de sua vida para o médico, afetando a adesão ao tratamento.





Conclusão

Se há algo que permaneceu inalterado desde a origem da psicanálise — de Freud a Jacques Lacan e aos pós-freudianos — é a transferência, condição essencial para todo tratamento analítico.


Em 1966, Jacques Lacan apresentou o conceito de "sujeito suposto saber" como um elemento central da transferência. Mais tarde, em 1973, ele aprofundou essa noção, destacando que o amor, na transferência, não se dirige ao sujeito em si, mas ao saber que se presume que ele detenha sobre o próprio sujeito.


É certo que a transferência desempenha um papel crucial no processo de análise, porque permite que o paciente reviva essas experiências passadas em um ambiente seguro e controlado. 


Quando o paciente projeta seus sentimentos e conflitos no analista, ele está repetindo padrões inconscientes que precisam ser trabalhados. 


O analista, então, deve ajudar o paciente a tomar consciência dessas repetições e a entender como elas afetam suas relações e comportamento na vida cotidiana. 


Esse processo de elaborar essas repetições é o que permite ao paciente superar seus conflitos e alcançar uma “cura”.

Assista gratuitamente ao podcast chamado A Transferência, no nosso canal do YouTube, clicando no link abaixo:




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Referências Bibliográficas

  • Freud, S. (1912). A dinâmica da transferência. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XII. Imago Editora.

  • Freud, S. (1914). Recordar, repetir e elaborar. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XII. Imago Editora.

  • Lacan, J. (1964). O Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

  • Ferenczi, S. (1909). Transferência e introjeção. In: Escritos Psicanalíticos. São Paulo: Martins Fontes.





Transcrição e adaptação:

Renata Suhett é jornalista, especialista em marketing, escrita e mídias sociais. Formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário de Barra Mansa - RJ.


Autor do episódio:

Daniel é psicanalista, pesquisador e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor e Mestre em Filosofia pela Unicamp, com pós-doutorado na Michigan State University nos EUA e em Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn na Alemanha. Autor de diversos livros de Filosofia e Psicanálise. Obteve o título de licenciado em filosofia em 1992 na Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Publicou artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros sobre filosofia e psicanálise.




 
 
 

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