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Mitos e Psicanálise: O Mito de Édipo e o Complexo de Castração

Atualizado: 16 de set.


Artigo Um da série Mitos e Psicanálise, baseado no percurso de mesmo nome já disponível na plataforma ESPEcast Na plataforma ESPECast, está disponível o percurso “Mitos e Psicanálise”, ministrado pela Dra. Elci Patti, juntamente com a Dra. Ane Patti. Esse percurso apresenta a articulação de alguns dos contos e mitos utilizados por Freud e Lacan com a práxis psicanalítica.


Os mitos, que estão presentes nas civilizações há milênios, são construções simbólicas importantes no processo civilizatório da humanidade, e eram repassados na tradição oral, à princípio, e, posteriormente, escritos em cada época e cultura com algumas modificações, por conterem elementos fundamentais que contribuem na compreensão sobre a estruturação psíquica do ser humano e seus laços com o social. 


De acordo com os estudos da Psicanálise alguns contos e  mitos, revelam uma parte da realidade psíquica universal, que é singularizada no enredo subjetivo de cada sujeito. Por isto, quando uma criança lê ou escuta a narrativa dos contos de fadas e representa-os no “faz de conta”, ela se inclui no campo imaginário, real e simbólico linguageiro, abrindo assim um espaço para falar de si, atualizando uma realidade psíquica inconsciente através dos discursos dos personagens por ela representados. 


Em “Escritores criativos e devaneios” (1908), Freud nos apresenta que o brincar e o fantasiar são facilitadores da constituição subjetiva do Sujeito falante e desejante. Para Lacan, “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” e para ele esta realidade psíquica inconsciente pode ser atualizada a qualquer momento pela linguagem falada ou corporal. 


Para facilitar os estudos sobre a psique, Freud, desde o início de sua obra, utilizou alguns Mitos para facilitar os estudos da Psicanálise. Lacan, posteriormente, fez uma revisão destes estudos acrescentando alguns outros e dedicando uma profunda reflexão sobre  o mito individual como estrutura subjetiva fundamental.


A seguir, vamos ler sobre o Mito de Édipo, um dos mais famosos e importantes para a psicanálise. Por que será que esse mito teve tanta repercussão desde Freud na construção da psicanálise até hoje?

Vamos descobrir?


 

ÉDIPO REI

O mito grego conta que Édipo – que significa pés inchados – nasceu príncipe de Tebas, filho do rei Laio e de sua esposa Jocasta. Ao nascer, foi levado ao Oráculo de Delfos, que profetizou que ele se tornaria um herói ao matar o pai e, em seguida, casar-se com sua mãe, desencadeando assim uma série de tragédias que viria causar a ruína da família real Tebana.  


Existem versões  – de Ésquilo e Eurípedes por exemplo -  que contam que o oráculo havia antecedido a Laio a sua profecia para, assim, impedi-lo de ter um filho. O rei acabou desconsiderando o aviso e Édipo nasceu.   


Com medo de que a predestinação do oráculo viesse a ser cumprida e com o objetivo de frustrá-la, Laio entrega o menino a um pastor do Monte Citerão para que este fosse deixado na floresta, na encosta da montanha, com os pés amarrados e trespassados por uma correia à altura dos tornozelos, para que assim ele fosse devorado pelos lobos.


Como o bebê era muito bonito, o criado encarregado da tarefa apiedou-se dele e não quis mata-lo. Apenas espetou uma lança em seu pé e o deixou pendurado em uma árvore na floresta. Depois ele avisou a um casal de pastores que estava próximo que havia então um bebê abandonado em uma árvore e onde encontra-lo.


Este casal recolhe o bebê da floresta, leva-o até Corínto, onde ele é adotado pelo rei Políbio após sua esposa, Mérope, ter gerado um filho natimorto. Édipo é criado então como príncipe, acreditando ser filho legítimo do Rei Políbio.


Já adulto, ao procurar o oráculo para saber mais a respeito de suas origens, o mesmo lhe repete a profecia: ele estaria destinado a matar seu pai e se casar com sua mãe. Assim, ele acredita que estaria destinado a matar Políbio e se casar com Mérope. 


Fugindo então de seu trágico destino, Édipo deixa Corinto e parte em direção a Tebas. No caminho ele encontra Laio, - sem saber que este é seu verdadeiro pai -  em um trecho bastante estreito da estrada.  Laio estava indo se consultar novamente com o oráculo de Delfos após ter pressentimentos de que a profecia de seu filho estava prestes a se cumprir.  Neste ponto da estrada, os lacaios ordenam que Édipo dê passagem ao rei, o que ele recusa a fazer, levando assim uma chicotada de Laio. Em sana fúria, Édipo mata Laio e todos os seus lacaios.


Chegando em Tebas, Édipo toma conhecimento que o rei da cidade havia sido morto e que a cidade estava a dominada pela Esfinge – um monstro que devorava a todos que não resolvessem seu enigma: “Quem anda de dia de 4, ao meio-dia de 2 e à noite de 3.?”


Édipo decifra o enigma da Esfínge: o ser humano: “De manhã, anda de 4 – engatinhando -  que é o início da infância. Ao meio-dia - que é a vida adulta: criança, adolescente, adulto -  de 2 e à noite de 3, que é o velhinho, a velhinha com a bengalinha.” – como explica a Dra. Elci Patti. 


Ao decifrar então o enigma, Édipo vence a Esfínge e conquista o trono do rei morto, casando-se assim com a sua viúva e tendo com ela quatro filhos.  


Cumpre-se assim, sem que ele tivesse disso conhecimento, a profecia do oráculo. 


Anos mais tarde, Tebas volta a ser flagelada por pragas e outras doenças. Ao investigar o motivo desses acontecimentos, Édipo descobre que estes acontecimentos estão se dando porque o assassino do rei, matou seu próprio pai e casou-se com a sua mãe. Mais tarde, através do advinho Tirésias, Édipo então descobre que se tratava então dele mesmo. 


Ao descobrirem toda a verdade, Jocasta se enforca e Édipo, enlouquecido, com dois alfinetes retirados do vestido da mãe, perfura os próprios olhos afirmando ter sido cego por não reconhecer o verdadeiro presságio do Oráculo. 


Passa então o resto da vida como mendigo, a esmolar pelas ruas de Tebas, sendo guiado por sua filha Antígona – personagem de outra história importante para a psicanálise – assistindo também aos filhos Etéocles e Polinices disputarem o trono das cidades de Tebas e Corinto. 

Freud e o Mito

“Freud viu esse mito e ficou encantado, não com a tragédia, mas com a representação desse mito na estruturação psíquica de cada sujeito.” – nos conta a Dra. Elci. – “Então, o que o Freud chega à conclusão? De que esse mito trazia à tona um momento estrutural, psíquico do ser humano, de fantasias edípicas. Que um determinado momento da nossa infância, quando a gente sai daquele momento narcísico, reconhece que eu sou diferente do outro, reconhece que existem diferenças anatômicas entre os meninos e as meninas, admira-se por isso, entristece-se por isso, porque as meninas ficam querendo ter o que os meninos têm, os meninos ficam com medo de perder o que eles têm no corpo, que é a marca fálica do pênis, e a menina a vulva.”


Mais tarde a criança – meninas e meninos - descobre o prazer que essas diferenças anatômicas podem trazer.  “Isso é uma fantasia, e acontece com as crianças, é só a gente observar.  Isso é algo que vai além da fantasia e topa com uma realidade, uma realidade no real do corpo e uma realidade psíquica, que nós somos diferentes uns dos outros. Podemos ter algo em comum, mas a diferença existe na própria anatomia do corpo.” – explica Dra. Elci.


Freud vai argumentar então que, diante dessa diferença anatômica, existem também o que se pode chamar de fantasias edípicas. O menino vai descobrir que a sua mãe, além de ser sua mãe, é o amor da vida dele. A menina vai descobrir que o seu pai, além de ser seu pai, é o amor da vida dela.

Freud observada então que, ao descobrir o próprio corpo, tanto o menino quanto a menina têm prazer, se masturbam. Ambos vão descobrindo os prazeres e as diferenças corporais, ao mesmo tempo que aprendem o que fazer com o próprio corpo. 


“Isso é muito lindo na estruturação psíquica e corporal do ser humano. O nosso corpo é um corpo banhado de linguagem.” – comenta a Dra. Elci.


Freud então teve o desejo de falar sobre isso para os seus colegas médicos. Enfrentava, porém, muitas dificuldades para falar sobre isso no meio porque a medicina da época ainda funcionava de maneira organicista. Não se via muito além do corpo. Poucos médicos tinham essa capacidade de enxergar que existia algo além do corpo.


Fantasias Edípicas

Freud vai postular que essa fantasia edípica acontece com todos os seres humanos quando criança. É uma fantasia. E cabe aos pais ajudar a criança a percebê-la como tal. 

Exemplifica a Dra. Elci: 


“Os pais têm que falar com as crianças sobre isso. O menininho fala assim: “Pai, você não fica perto da minha mãe porque ela é minha esposa. Você arranja outra! E a menina a mesma coisa: “Meu pai é meu namorado. ” E aí o Freud vai mostrando que isso passa. Que esse é o momento da estruturação psíquica da criança. Ela precisa de ter aquele modelo de mãe para ficar semelhante à mãe e desejar o pai. E o menino quer também ser como pai e desejar a mãe. Isso é algo que acontece na maioria da infância das crianças.”


Descobrindo as diferenças anatômicas, a criança vai reconhecer, no próprio corpo, algo que lhe dê prazer e, ao mesmo tempo, desprazer. Esse processo Freud estudou, à fundo, em sua teoria da sexualidade e em suas fases: oral, anal e fálica. Isso pode ser visto com detalhes no post correspondente aqui no blog.



A medida que a criança vai crescendo, ela vai recalcando essas lembranças de desejo pelos pais. “Imagina se um dia eu desejei meu pai! Ai que horror!”. Mas isso é apenas uma fantasia. Quando, ao crescer, a criança reconhece que pode ter seu próprio namorado, sua própria namorada, seus objetos sexuais de desejo, pai e mãe são deixados para trás e ficam no plano da fantasia edipiana. Eles ficam em suas funções, maternas e paternas.


A subjetivação da lei

Lacan vai mostrar, em sua releitura de Freud e do mito de Édipo, que neste momento há a subjetivação da lei. No momento que  a criança renuncia ao incesto ela, ao fazê-lo, subjetiva uma nova lei.

A primeira lei de organização da civilização, segundo o próprio Freud, é a renúncia ao incesto. “Você não pode ficar com seu pai sexualmente, nem com sua mãe, nem com seus mais próximos. Você pode fazer outras escolhas. Então isso não pode, mas pode fazer outras escolhas.” – diz a Dra. Elci.


Neste sentido, o chamado Complexo de Édipo é um regulador fundamental tanto da nossa subjetividade quanto da nossa civilização porque, como mostra Lacan, além da percepção que o sujeito deve ter da sua própria estrutura – subjetivado pelas diferenças sexuais – o sujeito deve ter também a percepção das leis que circulam na sociedade, que devem ser respeitadas para que a civilização continue.  A essa representação da lei ele chamou de o nome-do-pai. 


Lacan também coloca a metáfora paterna. “Não precisa ninguém ficar me falando. Eu sei que isso eu posso e que aquilo eu não posso. Eu sei que não posso porque um dia alguém me disse que eu não podia.” Essa proibição foi então subjetivada.


 

CONCLUSÃo

 “Então por isso que é muito importante - nesse momento dessa experiência Edípica- que a lei do incesto seja aceita, e também a aceitação dos outros laços sociais. Isso é muito importante para a nossa civilização permanecer como um grupo de humanos civilizados. Uns respeitando os outros. E nós vemos de quantos prejuízos existem quando isso não é respeitado.” - conta a Dra. Elci.

O mito do Édipo traz, então, essa grande reflexão em relação à estrutura singular de cada um e a uma estrutura universal da sociedade.


Até nosso próximo texto e para maiores informações e para ver o percurso completo, assine a plataforma ESPECast.



 

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Transcrição e adaptação:

Gustavo Espeschit é psicanalista, professor e escritor. Pós-graduado em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica pelo Instituto ESPE/UniFil e Pós-graduado em Clínica Psicanalítica Lacaniana pela mesma instituição. Formado em Letras Inglês/Português com pós-graduação em Filosofia e Metodologia do Ensino de Línguas.


Autoras do episódio: Ane Patti: Graduada em Psicologia pela Universidade de Ribeirão Preto (2001), com Especialização em Psicanálise pela Universidade de Franca (2003) e Mestrado e Doutorado em Ciências, área Psicologia, pela FFCLRP-USP (2009 e 2014, com apoio FAPESP). Atua na clínica psicanalítica e em diversas atividades acadêmicas. É docente do curso de Psicologia do Centro Universitário Barão de Mauá e professora convidada nos cursos de Especialização em Psicanálise da Universidade de Franca e Pós-Graduação MBA GEP do Centro Universitário Moura Lacerda. Elci Patti: Graduada em Psicologia pela UFMG (1977), com Mestrado e Doutorado em Serviço Social pela UNESP Franca (1998 e 2004). Foi docente e supervisora no curso de Psicologia até junho de 2018. Coordenou e lecionou nos cursos de Psicanálise e Pós-Graduação em Psicanálise com Criança na Universidade de Franca até 2020 e 2022, respectivamente. Atua como psicanalista em consultório particular e consultora educacional em escolas de Franca e região.





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